domingo, 29 de junho de 2025

O insustentável peso do livro

 

A solução dos livros pesados

Há a Internet e há os livros que não há na Internet. Como estes são pesados e é preciso ir ter com eles, a preguiça leva-me a usar apenas o que há na Internet. Mas arranjei um sistema que funciona: descrevo-o na esperança que mais alguém aproveite.

Tenho os livros pesados em duas estantes pesadas. Mas tanto faz onde estão os livros. Podem estar em bibliotecas públicas ou livrarias ou em casa de amigos.

Tenho dois carrinhos ao pé da estante onde abro os livros que vou consultar. Quando encontro o que quero, uso o telemóvel para fotografar as páginas que me interessam. Geralmente são só duas ou três.

Imprimo imediatamente essas fotografias, arrumo esse livro e passo para outro. Vou fotografando e imprimindo.

Vou dar um exemplo: a patuscada.

Encontro informações interessantes em oito livros, dos quais seis são dicionários de português sem representação na Internet.

Se eu tivesse de levar estes calhamaços para a mesa onde escrevo, teria de aguentar não só o peso como a desarrumação e a falta de espaço para escrever.

Assim, fico só com 15 folhas A4, para poder ler e sublinhar à vontade, já que as folhas depois seguem para o lixo. Escrevo nas margens as ideias que aqueles excertos me dão.

Depois é só ir à Internet ver se há alguma coisa de jeito. Se não houver, paciência: já não preciso. Estou pronto para começar a escrever.

Nalguns casos, preciso mesmo de um dos livros pesados ao pé de mim: nesse caso, puxo para ao pé de mim o carrinho onde está o livro, usando um gancho de barco. (Divirto-me imenso, escusado será dizer, puxando e empurrando carrinhos.)

Com este sistema, os livros continuam arrumados, a secretária continua desimpedida e, caso eu precise de voltar a olhar para o que fotografei, está tudo no meu mail, com o prefixo CON de “consulta”.

Assim, uso o telemóvel, uso a impressora, uso o wi-fi e o uso o mail, para não falar nas coisas tradicionais, como os livros, o papel, a caneta, as mãos, os pés e a cabecinha.

Lev Davidovich Landau

 Leipzig, 1930. A sala estava cheia. A Sociedade Alemã de Física tinha convocado uma das suas figuras mais ilustres: Albert Einstein. O génio falava com a calma de quem sabe o peso de cada palavra. O público escutava em silêncio reverente. Ninguém se atrevia a interromper o homem que tinha mudado para sempre a nossa ideia do universo.

Quando terminou sua exposição, o presidente da sociedade agradeceu com entusiasmo e ofereceu a palavra ao público. Por um instante, o silêncio foi absoluto.
Até que alguém se levantou do fundo.
Era um jovem magro, com o rosto exausto, cabelo desarrumado e um olhar intenso. Falou um alemão áspero, mas com firmeza:
—O que o professor Einstein disse não está errado... Mas a segunda equação que escreveu não é deduzida da primeira. Na verdade, requer suposições adicionais que não foram formuladas. E além disso, não cumpre a condição de invariância.
Um murmúrio percorreu a sala. Alguns riram-se muito baixo. Outros viraram-se para ver o rosto daquele estranho. Ninguém entendia como alguém tão jovem poderia questionar publicamente o próprio Einstein.
Ninguém... exceto Einstein.
O físico virou-se lentamente para o quadro. Ficou calado, pensativo. Ele acariciou o bigode. Ele fez cálculos na mente dele. E então virou-se para a audiência.
—Esse jovem tem toda a razão — disse ele. Peço que esqueçam tudo o que eu disse hoje.
Um novo silêncio foi feito, desta vez cheio de espanto.
O nome daquele jovem era Lev Davidovich Landau, tinha 22 anos. Anos mais tarde, seria reconhecido como um dos físicos mais brilhantes do século XX e arquiteto da física teórica soviética.
Mas nesse dia, ele foi simplesmente um jovem com coragem de dizer a verdade diante do maior cientista do seu tempo... e um mestre com humildade suficiente para reconhecê-la.
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sábado, 28 de junho de 2025

Uma boa sandes de fiambre!

 

É pena ser tão difícil fazer uma boa sandes de fiambre

Lembro-me — ou, melhor, não me consigo esquecer, por muito que me convenha — da melhor sandes de fiambre que comi.

Foi no dia em que, pela primeira vez, me senti um homem.

Vinha do Louvre, onde tinha acariciado a nádega direita da Vénus de Milo.

Nesse momento, percebi a força da escultura.

Cheio de fome, depois dos quilómetros que atravessei, fui à procura de um café barato.

“O que é que quer comer?” Trataram-me como um homem. Foi como se os meus catorze anos tivessem desaparecido para sempre.

Vi os preços e calhei no mais baixo, um “jambon-beurre”, que pensei ser um prato de pernil com molho de manteiga, possivelmente cercado de batatas assadas e servido com uma boa salada à parte.

Mas não: era só uma sandes de fiambre.

O homem cortou uma baguette estaladiça ao meio — só o ruído é suficiente para pôr as glândulas salivares em sentido — barrou ambos os lados com uma grande desfaçatez de manteiga, e finalmente recheou aquilo tudo com várias fatias grossas de fiambre.

Embrulhou-a numa folha de papel até meio e passou-me para a mão.

“Vinho?”

“Claro”, respondi eu, que nunca tinha pensado em acompanhar uma sanduíche de fiambre com um copo de tinto.

Mas acompanhei — e agradeci. No dia seguinte, comprei uma baguette acabada de cozer, meio pacote de manteiga barata e 100 gramas de fiambre do pior.

Fiz tudo como tinha visto. E ficou bom. Mas não tinha nada a ver com o “jambon-beurre” da véspera.

55 anos depois, acho que já percebi porque é que o “jambon-beurre” é tão bom.

Em primeiro lugar, o pão é cozido de hora em hora, para haver sempre baguettes estaladiças.

Isto representa uma escolha e um sacrifício.

É que a baguette é concebida para durar só uma hora. E não só: só é realmente boa quando sai do forno e descansa 4 a 5 minutos.

Depois, fica dura e intragável. Os parisienses vêem as baguettes como farturas. São para comer mal ficam prontas e, como tal, têm de se ir fazendo.

Em Portugal, o pão que se faz todo o dia — o pão que se anuncia como “quente” — não presta para nada, e o pão bom é aquele que dura o dia inteiro, para não dizer a semana.

Restam duas hipóteses: a velha carcaça, acabada de sair de um forno de lenha, e o pão-de-forma, feito só com farinha, água, fermento, sal e um nadinha de manteiga, acabado de sair dum forno qualquer, ou até de uma máquina de pão.

Um “jambon-beurre” é uma conjunção de três delícias: pão, manteiga e fiambre. Todos têm de ser bons e servidos com generosidade e indiferença médica.

Um “jambon-beurre” é comprido. É um almoço. Come-se ao meio-dia, de pé, encostado a um balcão de zinco, de preferência com um fato-macaco de sarja.

Passemos à manteiga. Tem de ser muita e tem de ser boa. Os franceses tratam a manteiga como um queijo. Fazem questão de indicar a região. Quem não conhece dez manteigas diferentes não é gente.

Um “jambon-beurre” é, na verdade, uma sanduíche de queijo, em que o queijo é uma manteiga consagrada.

Não precisa de mais nada.

Mas aí está o luxo: ao enchê-la com fartas fatias de fiambre, o francês está a demonstrar que duas coisas muito boas não dispensam uma terceira coisa muito boa.

O fiambre é um exagero. Mas é um exagero à Luís XIV: o fiambre tem de ser do melhor, como se o pão e a manteiga não prestassem e fosse preciso compensar.

É importantíssimo saber que o fiambre que se come num “jambon-beurre” parisiense também é parisiense.

Toda a gente compra esse fiambre de Paris, a que chamam fiambre branco. Compreendem que é uma raridade. Compreendem que é um luxo. Compreendem que é uma gracinha.

Juntem-se estas três qualidades — o luxo, a raridade, e a gracinha — e compreender-se-á o espírito parisiense.

No fundo, um “jambon-beurre” é uma sandes mista, com queijo redobrado e fiambre redobrado, em pão redobrado, em que o queijo é aquele queijo que fica melhor com fiambre: a manteiga.

Os franceses não têm vergonha da gordura. E nós, se não nos apressarmos a ficar horrorizados com tanta gordura, deveríamos pensar nas buchas de pão com toucinho, ou nas fatias gordas de pata negra, apanhadas por um vestigiozinho de pão.

Por isso é que não se pode fazer uma boa sandes de fiambre em Portugal: falta-nos o fiambre.

A nossa versão deliciosa é com pão de forma, manteiga, e fatias muito fininhas de fiambre.

Mas também nos falta a atitude. Porque não temos sandes de perna de borrego, ou de pernil, fatiadas mesmo antes de saltar para o pão acabado de cozer, feitas com fartura de manteiga da boa? A bem ver, só nos falta a vontade. Logo por azar, é a coisa mais difícil de todas.

O peso das nossas memórias!

 

Saudades fresquinhas

O passado está sempre a fazer-nos um favor: o favor de se esconder. Se cada dia que vivemos tinha indiscutivelmente 24 horas — e se uma hora já de si é muito tempo —, que faríamos nós com o peso dessas memórias? Como conseguiríamos dar um passo, se a cordilheira de montanhas de tantos momentinhos quisesse encavalitar-se nas nossas costas, doida para seguir caminho connosco?

Dizem que só usamos um terço do nosso cérebro. Acho que sei porquê: os outros dois terços estão ocupados com limpezas.

Os outros dois terços encarregam-se do esquecimento. Na verdade, os outros dois terços não são outros, coisa nenhuma. O terço que resta é que é outro. Os dois terços é que fazem o trabalho principal do cérebro, que é esquecer. E sonhar.

Esquecer é limpar. Esquecer é arrumar. Esquecer é arranjar espaço. É preciso espaço para as visitas: as visitas da imaginação e das dúvidas, as visitas da novidade e da frescura.

Lembrar é um grande compromisso. Os grandes horrores já nos esforçamos por esquecer. Mas também temos de nos esquecer da quantidade imensa de alegrias medíocres e de chatices um bocadinho de nada divertidas com que, para não morrermos de tédio, conseguimos encher as nossas vidas.

Lembrar é uma honra. Com um passado devidamente esquecido e desprezado, só aparecem as memórias curiosas. Acordo e pergunto: que memória vem ter comigo hoje? De onde veio? Ou, mais importante: o que é que vem cá fazer? Como é que se está a dar com o presente circundante? Está a integrar-se? Ou está a tentar arranjar briga?

Se a cabecinha estiver a esquecer como deve ser — a esconder bem as tralhas todas que foi acumulando só por força de estarmos vivos —, o outro terço poderá ocupar-se com a escolha livre de memórias interessantes, de memórias úteis, que nos ajudam.

Como chegaste aqui, memória, vinda sabe-se lá de onde, com o teu atrevimento de te candidatares a saudade? Não sabemos como nem porquê. Ainda bem. Só sabemos que gostou de ter o caminho desimpedido.

Novos casais com mais de 60 anos

 Um estudo analisou novos casais com mais de 60 anos e a conclusão é clara: eles são mais felizes se moram em casas separadas

Todos conhecemos casais jovens que vivem separados, um estilo de vida que agora também começa a ser adotado por adultos com mais de 60 anos — e que pode ser mais benéfico do que imaginamos. De acordo com um estudo conduzido pela Universidade de Lancaster e pelo University College London, esse modelo de relacionamento entre pessoas com mais de 60 anos pode trazer benefícios à saúde mental.
Segundo a pesquisa, os chamados relacionamentos LAT (do inglês Living Apart Together), também conhecidos como relacionamentos sem coabitação, oferecem um equilíbrio entre união e autonomia. Eles podem ser uma boa opção tanto para quem está começando um relacionamento nessa fase da vida quanto para quem já está em uma relação de longo prazo.
Trata-se de uma alternativa que permite manter compromissos pessoais e familiares, sem abrir mão da conexão íntima com o parceiro.
Um estilo de vida que beneficia especialmente as mulheres
Relacionamentos LAT são especialmente bem recebidos por mulheres heterossexuais. De acordo com o estudo, quando uma mulher com mais de 60 anos inicia um relacionamento, a chance de ele evoluir para um modelo LAT é 10 vezes maior do que para coabitação ou casamento. Já entre os homens mais velhos, a probabilidade de optar por morar com a parceira é quase 20 vezes maior. O que explica essa diferença?
Em relacionamentos heterossexuais, as mulheres costumam assumir uma parte maior das tarefas domésticas e dos cuidados quotidianos quando vivem com um parceiro. Por isso, esse estilo de vida tem sido apontado como mais vantajoso para elas.
Embora, historicamente, tenha havido uma valorização da construção de um lar como modelo ideal de relacionamento, se considerarmos o bem-estar emocional, talvez seja hora de repensar: será que devemos continuar nos moldando às construções sociais ou seria o caso de adaptá-las às nossas necessidades?
Como destaca o estudo, tanto mulheres quanto homens com mais de 60 anos em relacionamentos duradouros se beneficiam, em termos de saúde mental, de viver em casas separadas. Os ganhos desse estilo de vida para o bem-estar emocional estão se tornando cada vez mais claros — e, por isso, têm sido adotados por um número crescente de casais mais velhos.
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Lisboa ao entardecer.

 A fotografia capta uma atmosfera única e poética de Lisboa, ao entardecer. Um beco estreito e calçado de pedras irregulares conduz o olhar por uma escadaria antiga, enquanto as fachadas revestidas de azulejos e janelas com flores vermelhas tornam a cena tão viva e autêntica. Os lampiões de ferro fundido iluminam a calçada com uma luz dourada e quente, refletida nas pedras, enquanto o sol, prestes a desaparecer no horizonte, tinge o céu de tons alaranjados e rosa. É uma imagem que exala nostalgia e magia, como um convite a subir cada degrau e perder‑se nos caminhos antigos desta cidade tão cheia de alma.

Lisboa não é uma simples cidade, mas uma poesia viva escrita nas suas colinas, azulejos e miradouros. À noite, o seu casario reluz sob a luz dourada dos lampiões e o clima ameno exala o cheiro do Tejo e das pedras quentes. Os elétricos sobem e descem as suas colinas, enquanto as varandas parecem guardar segredos de tempos passados. Lisboa respira saudade e alegria ao mesmo tempo, uma cidade feita de caminhos tortuosos e praças abertas, de sons de guitarra portuguesa e ecos de uma história viva. Visitar Lisboa não é só conhecer uma cidade, mas sentir‑se abraçado pela magia de uma terra antiga e tão viva.
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