Um ama, o outro nem tanto
- Público - Edição Lisboa
- Miguel Esteves Cardoso
Tenho uma teoria sobre o amor. Aplica-se a qualquer casal. Para explicá-lo, é preciso apresentar uma medida, que é a amoria. Uma amoria é a quantidade de energia romântica necessária para levar um beijinho na bochecha. É como se fosse uma caloria erótica. Para dar — e não apenas levar — um beijinho na bochecha já são necessárias cinco amorias. Uma amoria é pelo beijinho em si, as outras quatro são pelo apetecimento de plantar um beijo na bochecha do companheiro.
Cada casal dispõe de 50 mil amorias, que é o suficiente para viverem felizes para o resto da vida, caso sejam prudentes e equitativos, e não esbanjem as amorias todas nos primeiros tempos e nas primeiras rodadas.
Deveriam ficar 25 mil amorias para cada um. Mas é aqui que começam os problemas. É que, na febre e na novidade de amar, há sempre um parceiro com excesso de zelo que açambarca um excesso de amorias.
Num extremo — e conheço um caso que é mesmo assim — um deles fica com 50 mil amorias e o outro fica com zero. O marido, por exemplo, morre de amores pela mulher, mas a mulher não pode com ele.
O marido até não se importa, desde que a mulher não o deixe, mas a mulher sofre muito, porque ninguém compreende que ela trate tão mal uma pessoa que gosta tanto dela.
É um extremo, mas o desnível está quase sempre presente: assim como há sempre uma pessoa mais gorda em qualquer casal, há sempre um membro do casal que gosta mais do outro do que o outro dele.
Para mais, o que é rico em amorias persegue o pobre, porque, gostando muito mais dele, tira muito mais partido da companhia dele.
Já o pobre, que só tem as amorias suficientes para aturar o rico, foge sempre que pode, porque não aguenta o convívio de natureza amorosa e voluntária.
A cada casal compete gerir este desequilíbrio na distribuição do amor.
O rico, apesar de não ser correspondido, é mais feliz, porque tem um propósito na vida: ir atrás de quem ama.
Mas o pobre também se safa, fazendo a vida negra a quem o persegue.
Sem comentários:
Enviar um comentário