Medusa foi vítima de violência sexual e a história que você conhece a tornou uma vilã. Medusa é uma das figuras mais reconhecíveis da mitologia grega, com seu cabelo de cobras e seu olhar petrificante. Mas a sua história é muito mais trágica do que se costuma contar. Antes da sua transformação, Medusa era uma jovem linda e a única mortal entre as suas irmãs górgonas, Esteno e Euríale. Nas Metamorfose, o poeta romano Ovídio relata que Poseidon a violou dentro de um templo de Atena. Sem punir o deus do mar, a deusa ficou furiosa com Medusa e a condenou a se tornar um "monstro", com cobras em vez de cabelo e um olhar letal. Tempo depois, o herói Perseu recebeu a missão de decapitá-la, com a ajuda de Atena e seu escudo polido. Ao matá-la, do pescoço de Medusa nasceram Pegasus e Crisaor, filhos de Poseidon, o que indica que ela estava grávida na hora do seu assassinato. Medusa foi transformada em um "monstro" só por ter sido vítima de violência. Enquanto Poseidon permaneceu impune, ela ficou marcada como uma ameaça. Mesmo depois de sua morte, Athena criou a flauta para imitar os lamentos das suas irmãs.
sábado, 22 de março de 2025
Ensino especial ou ensino inclusivo?
O ensino inclusivo não pode ser um dogma
- Público - Edição Lisboa
- Carlos Nunes Filipe
Crianças e adolescentes, com incapacidade intelectual, com alterações graves do comportamento, não verbais e sem autonomia de alimentação ou de higiene, necessitados de cuidados constantes de suporte, com necessidade de vigilância e apoio médico regular e de equipas multidisciplinares de apoio não têm condições, nem vantagem, nem segurança, nem futuro no ensino inclusivo. No caso das perturbações do espectro do autismo, mesmo as crianças e adolescentes com mais autonomia e melhores competências cognitivas dificilmente terão algum benefício com uma sociabilização forçada. A inaptidão nas relações sociais, a dificuldade de se adaptarem a situações novas e a singularidade de alguns dos seus comportamentos tornam-nos facilmente alvos de chacota e de incompreensão por parte de colegas e, mesmo, de professores menos informados sobre a origem deste tipo de comportamentos.
O Decreto-Lei 3/2008 propôs a “escola inclusiva” como o único recurso para as crianças com necessidades educativas permanentes. O objetivo a que se propunha era “o sucesso educativo, a autonomia, a estabilidade emocional, bem como a promoção da igualdade de oportunidades”. Qualquer criança, independentemente do tipo de perturbação, deveria ser aceite em qualquer escola, mesmo que esta não dispusesse de condições adequadas para a acolher. Os objetivos deste decreto-lei e os meios através dos quais se propunha atingi-los eram manifestamente desajustados da realidade. As unidades de ensino estruturado aí previstas tornaram-se, na maioria dos casos, locais segregados dentro do espaço das escolas.
Na sequência do debate desencadeado pela publicação do Decreto-Lei 3/2008, viria a ser posteriormente publicada a Lei 21/2008, que admitia o recurso ao ensino especial, nos casos em que as adaptações fossem “comprovadamente insuficientes em função do tipo e grau de deficiência do aluno” e após um “processo de referenciação e de avaliação”, no qual a participação dos pais se limita a uma declaração de concordância. Segundo o decreto-lei, são as escolas que têm de declarar incapacidade, não cabe aos pais sinalizar a incompetência da escola.
Mais tarde, o Decreto-Lei 54/2018 estabelece o “regime jurídico da educação inclusiva”, ocultando o encaminhamento para outras estruturas, nomeadamente de educação especial. A forma de referenciação, essa, continua a ser a mesma, regulada por portarias de 1997 (Portarias n.º 1102/97 e n.º 1103/97).
O ensino inclusivo não pode, contudo, ser um dogma. A existência de ensino inclusivo em paralelo com estruturas diferenciadas de apoio de educação especial é a prática mais realista e a que, em muitos países, tem provado ter os melhores resultados. O suporte familiar é também, no caso das estruturas de educação especial, muito mais acautelado. No caso das crianças e adolescentes portadores de deficiência grave, a sobrecarga familiar é tremenda. Os horários letivos, bem como os prolongados períodos de férias escolares do ensino regular, aumentam tremendamente essa sobrecarga, levando a que, necessariamente, pelo menos um dos elementos da família tenha de ficar em casa. O recurso a centros de atividades de tempos livres (ATL) é também, nestes casos, muito difícil, atendendo às particularidades destas crianças e à falta de estruturas adaptadas e de pessoal com formação específica na quase totalidade dos ATL. Dificultar ou inviabilizar alternativas diferenciadas de ensino é abandonar ainda mais os que já vivem um dos maiores abandonos, é sobrecarregar ainda mais as famílias que suportam a maior carga.
No caso dos alunos com autismo, a intervenção adequada às suas necessidades particulares e que atenda às suas singularidades é, por norma, muito diferente da que é adaptada a pessoas com outras perturbações do desenvolvimento.
A existência de ensino inclusivo em paralelo com estruturas diferenciadas de apoio de educação especial é a prática mais realista e a que, em muitos países, tem provado ter os melhores resultados.
As equipas docentes e de assistentes operacionais nem sempre têm treino ou formação específica que os ajude a lidar de forma correta com pessoas com autismo, nem as instalações são, a maioria das vezes, as mais adaptadas. As alterações de comportamento, frequentes em pessoas com autismo, são um exemplo de situações com as quais os técnicos não treinados estão pouco habilitados para lidar. A não serem devidamente geridas, podem pôr em risco a pessoa que as exterioriza, os outros alunos, os docentes e os equipamentos. Em muitos casos, aquando da ocorrência de alterações do comportamento, com agitação motora, autoagressão ou agressão a terceiros, mesmo que não seja intencionalmente determinada, os pais ou tutores são contactados pelas escolas e é-lhes pedido que levem o filho com eles, “até se acalmar e estar em condição de poder voltar”. Em muitos casos são mesmo instruídos processos disciplinares. Mais uma vez, a sobrecarga cairá sobre os pais que, sem outros apoios, são tornados responsáveis pela contenção e acompanhamento do filho em crise.
O ensino inclusivo, sendo o desejável, não é necessariamente o melhor em todos os casos e nem sempre é possível; o ensino especial não é sempre, mas, às vezes, é a melhor solução. Aos pais cabe o direito de escolher a educação a dar aos filhos. Aos pais cabe o direito de proteger a família como um todo.
Professor catedrático da NMS/UNL; director clínico da APPDA-Lisboa
sexta-feira, 21 de março de 2025
As redes sociais e o ser ignorado!
Nas redes sociais, ser ignorado leva a mais discussões entre amigos
As redes sociais trazem “novas exigências” para as amizades adolescentes e podem levar a discussões entre amigos, sobretudo quando se sentem ignorados
- Público - Edição Lisboa
- Claudia Carvalho Silva
Imagine que está nas redes sociais e vê uma story de um amigo próximo a passear com outros amigos, sem que tenha sido convidado. Ou imagine que precisa mesmo de falar com alguém e a sua amiga a quem dá sempre apoio não lhe está a responder. Estes são alguns dos cenários em que as redes sociais podem contribuir para que haja conflitos nas amizades entre adolescentes, segundo um estudo publicado na terça-feira na revista científica Frontiers in Digital Health. E mais: as redes sociais podem transformar as amizades naquilo que parece ser um trabalho a tempo inteiro.
“Os amigos desenvolvem certas expectativas sobre a forma como devem interagir, incluindo esta disponibilidade recíproca em pessoa e nas redes sociais, que é essencial para manter relações durante a adolescência”, refere a principal autora do estudo, Federica Angelini, em resposta ao P3. Só que as redes sociais amplificaram estas necessidades que existiam presencialmente, introduzindo “novas exigências”.
Com essas exigências surgem também expectativas daquele que deve ser o comportamento dos outros nas redes sociais. E foi isso que os investigadores da Universidade de Pádua, na Itália, perceberam: os conflitos
online entre amigos surgem sobretudo na sequência de expectativas não correspondidas e não tanto pela pressão para estar constantemente disponível online.
Damos alguns exemplos destas expectativas não correspondidas: um amigo que não dá like ou comenta as publicações do amigo, que ignora as suas mensagens apesar de estar online, que o exclui de actividades que tem com outras pessoas, ou até mesmo se não reconhecer que foi mencionado numa publicação, explica a autora. Se isso acontecer, os adolescentes podem sentir-se irritados ou desiludidos.
As conclusões deste artigo podem ajudar os pais, professores e os próprios adolescentes a desenvolverem hábitos online mais saudáveis. Por exemplo: estabelecer limites, definir tempos oëine ou desligar as notificações. “Aprender a aceitar que nem todas as mensagens requerem uma resposta imediata pode aliviar o stress digital e manter amizades saudáveis”, refere a investigadora do departamento de Psicologia do Desenvolvimento e Socialização da universidade italiana.
Além disso, se “falarem abertamente sobre aquilo que valorizam nas interacções online, os adolescentes podem desenvolver uma ideia melhor das perspectivas uns dos outros e evitar o risco de conflitos”, diz a autora.
Os adolescentes podem ser a faixa etária mais vulnerável às consequências negativas das interacções nas redes sociais, diz ainda o artigo.
Neste estudo foram analisados os dados de uso das redes sociais de mais de 1100 adolescentes em Itália, com idades entre os 13 e os 18 anos, focando-se no estado das amizades em dois momentos diferentes, com seis meses de separação.
Mediram com que frequência aconteciam estes conflitos, ou quando é que se sentiam “zangados ou irritados uns com os outros”, explica a investigadora, que estuda as relações durante a adolescência em contextos sociais online e offline.
Daí, os investigadores aperceberam-se de que as redes sociais facilitam as conexões entre adolescentes, mas também criam um novo espaço “normas sem precedentes e expectativas para estarem permanentemente disponíveis”.
Os cientistas reconhecem que a amizade é crucial nas nossas vidas e que o contacto online é importante, sobretudo para adolescentes —mas cultivar essas amizades num ambiente digital pode tornar-se fastidioso.
A ideia de estar constantemente disponível online também pode levar a uma sensação de “aprisionamento” nos jovens — que afecta mais as raparigas do que os rapazes, segundo o estudo.
Os adolescentes podem ser a faixa etária mais vulnerável às consequências negativas das interacções nas redes sociais, diz ainda o artigo. Outros estudos já têm mostrado que esta pressão para estar sempre disponível tem um efeito negativo na saúde mental, criando mais stress e ansiedade, e menor qualidade de sono.
domingo, 16 de março de 2025
O Eu e o Outro, que ligações?
“Quando há conexão de almas, nós nos reconhecemos no olhar. Antes mesmo das apresentações, sentimos proximidade. E por mais que faltem explicações, sobram semelhanças e sincronicidade. É difícil explicar as razões que nos fazem simpatizar com alguém. É difícil encontrar motivos que justifiquem a alegria espontânea que sentimos quando estamos perto dessa pessoa. ou a falta absurda que ela nos faz, mesmo que a tenhamos conhecido há tão pouco tempo.
Vera Ramalho - Psicóloga Clínica in O Público de 16-03-25
Resiliência em família: ir além da adversidade
Nem sempre as dificuldades emocionais e comportamentais são fases transitórias do desenvolvimento normal, podendo representar a vivência de situações adversas que geram grandes prejuízos funcionais
- Público - Edição Lisboa
- Vera Ramalho Psicóloga clínica
O crescente interesse pela saúde mental das crianças e dos adolescentes, período marcado por rápidas modificações neurobiológicas, psicológicas e sociais, possibilitou a compreensão de que nem sempre as dificuldades emocionais e comportamentais são fases transitórias do desenvolvimento normal, podendo representar a vivência de situações adversas que geram prejuízos funcionais significativos e risco para o desenvolvimento de psicopatologia na transição para a vida adulta.
Especificamente, neste período, as perturbações e comportamentos mais frequentes, fruto desta vulnerabilidade, incluem a depressão, as tentativas de suicídio, a ansiedade, o abuso de substâncias, as perturbações alimentares, o stress pós-traumático e as perturbações de personalidade.
A relação entre estes indicadores pode ser explicada através de mecanismos variados, podendo, inclusive, resultar não somente das experiências adversas em si, mas de fatores de risco ou circunstâncias que lhes estão associadas, como a ausência de apoio social, a pobreza, um ambiente familiar instável e disfuncional, onde coexiste a violência doméstica, o abuso emocional, sexual e/ou físico. Em acréscimo, a perturbação mental parental, a negligência, o consumo de álcool/drogas, a perda/afastamento parental (incluindo morte, divórcio complicado ou a institucionalização da criança) e a vivência de múltiplas adversidades podem constituir-se como factores de risco adicionais.
Devemos considerar que a concomitância de experiências adversas é altamente prevalente, sendo que a acumulação de vários fatores de stress e de risco está associada ao sofrimento emocional no imediato e a médio/longo-prazo, ao longo do ciclo de vida. Do ponto de vista neurológico, por exemplo, encontram-se evidências de mudanças biológicas como resultado de experiências nefastas repetidas que afetam o sistema límbico e o córtex pré-frontal.
Estas experiências constituem-se numa ameaça ao sentimento de estabilidade e segurança da criança e o seu impacto pode manifestar-se através de comportamentos ou sinais de alerta, como, por exemplo, malestar físico constante, medo de estar longe dos pais, agressividade, perda de aptidões anteriormente adquiridas, falta de interesse e afastamento dos colegas, recusa escolar ou fuga da escola, preocupação sobre a segurança, dificuldade em exprimir-se, perturbações de sono e da alimentação, dificuldade em concentrar-se, choro com facilidade, etc.
Em contrapartida, o contexto familiar e social mais vasto pode desempenhar um papel promotor da adaptação e a qualidade destas relações assumir-se como elemento protetor do desenvolvimento, mesmo quando a criança/adolescente está exposta aos supracitados fatores de risco.
De facto, o confronto com a diversidade relacional pautada por disponibilidade, sensibilidade e responsividade por parte de adultos próximos pode permitir que, não obstante a experiência de adversidade, a criança/adolescente possa desenvolver, nas suas múltiplas áreas de funcionamento, padrões comportamentais, emocionais, cognitivos e sociais promotores de adaptação. Neste sentido, importa que adultos que se constituam como fonte de segurança para a criança/adolescente atuem de modo consentâneo com as necessidades da mesma, de modo consistente em prol do seu bem-estar.
Ser ou Parecer - Oliver Harden
A Hipocrisia do Espetáculo: A Obscenidade do Ser Puro e o Teatro das Aparências
O descanso de uma abelha
Na primavera de 2019, o fotógrafo Joe Neely captou um momento de cortar a respiração que tocou corações em todo o mundo. Enquanto viajava pelo Oeste americano com a sua namorada Nicole, parou num campo de flores no Colorado, onde flores roxas e alaranjadas se estendiam até onde a vista alcançava. Por entre o zumbido silencioso das abelhas ocupadas, algo de extraordinário aconteceu.