04 de maio de 1984





04 de maio de 1984
04 de maio de 1982
Há 55 anos chegava às lojas Let It Be, o 13.º e último álbum editado pelos Beatles.
Quando se vai a casa de alguém na mira de comprar uns livros, é-se obrigado a fazer de turista, e a sofrer um passeio pela biblioteca, vaidosamente comentada pelo senhor dono. Imagino que seja a mesma coisa com as pinturas ou as antiguidades.
Tenho reparado num fenómeno muito estranho: é raro que os coleccionadores falem das obras em si. Falam sobretudo das dificuldades e das peripécias das aquisições. O acto de compra surge como uma estocada final, quase sempre inesperada e brilhante, que incide sobre um adversário maquiavélico.
Aquele livro tanto poderia ser um camafeu inca ou a presa de um mamute: o que interessa é a proeza de trazê-lo para casa, usando, para além do dinheiro (que é sempre muito menos ou muito mais do que vale), todas as artimanhas ao alcance da humanidade.
Ocorreu-me durante um destes périplos que a aquisição destes objectos tem pouco a ver com exibicionismo monetário.
Aquilo que revelam é uma espécie de inveja — mas uma inveja ao contrário, porque é a inveja de quem tem o que é invejável.
É uma inveja dupla: é uma “binveja”. O coleccionador quer ter o que os outros querem ter, mas não conseguem ter, porque lhes falta o dinheiro, ou a paciência, ou a perseverança, ou a habilidade negocial.
É a inveja de quem quer despertar a inveja alheia. Daí o endeusamento da raridade, como se o valor artístico tivesse alguma coisa a ver com a raridade — como se a lírica de Camões fosse mais valiosa se só existisse o manuscrito.
A binveja vive da cobiça frustrada dos simples invejosos. É um prazer parasita, prepotente e sádico, que celebra a exclusividade acima de tudo: o poder de excluir toda a gente de um simples prazer, por força da força do dinheiro.
A inveja quer que as pessoas que têm coisas boas deixem de as ter. Porque não as merecem e não sei que mais, porque quem as merece é o pobre invejoso, obviamente.
Mas a binveja não é mais bonita: vive dessa energia invejosa. Como não sabe o que tem, vive da cobiça dela.
Os navios flutuam na água apesar do seu peso devido ao princípio da flutuabilidade, conforme explicado pelo Princípio de Arquimedes. Este princípio afirma que um objeto submerso num fluido experimenta uma força ascendente igual ao peso do fluido que ele desloca.