segunda-feira, 20 de junho de 2022

 

Anotações sobre Arte

Celia Paul

Consigo descrever o meu livro Cartas a Gwen John com a maior simplicidade, ao afirmar o que não é. Não é nem uma biografia da pintora Gwen John nem é sobre ser uma musa. Comparei e contrastei as experiências da Gwen John com as minhas. Explorei a questão se ela e eu somos culpáveis, em aspetos que nós não compreendemos, da nossa ofuscação em relação a artistas masculinos mais famosos do que nós, e, se é necessário que pintemos silenciosa e secretamente a coberto destas sombras. Se é a exposição que tememos acima de tudo.

Considero-me uma pintora, não uma escritora. Sou impelida a pintar todos os dias; só sou levada a escrever se tiver algo a dizer de uma forma explicita. Escrevi o meu primeiro livro Autorretrato quando já estava perto dos sessenta anos. Precisava que a minha vida, como um todo, fizesse sentido: Queria ligar-me à jovem mulher que escrevia ocasionalmente anotações no seu diário sempre que os sentimentos turbulentos por estar envolvida com um homem muito mais velho extravasavam. Precisava de aceitar esta jovem mulher como o meu próprio eu, mesmo à distância de muitos anos. Não estava à espera de escrever outro livro. A resposta a Autorretrato fez-me perceber que tinha de o fazer. A natureza da auto-negação é definida com excessiva facilidade como vitimização.

Um quadro é como uma carta: ambos vivem no presente permanente. Uma obra de ficção, por exemplo, requere que o leitor siga o percurso da narrativa através de todos os caminhos e desvios que o autor projetou. O percurso está fundado no terreno da narrativa. Com a pintura, o súbito impacto do presente é descrito como um todo, como uma paisagem vista de cima. Consigo comparar a pintura à uma carta escrita à mão na premência de registar manualmente o que se vê ou o que se sente, mas, em ambos os casos a desconexão e o abandono exigem um distanciamento fatalista. Olhar para um quadro é como testemunhar um relato na primeira pessoa de algo que está a acontecer neste momento. O mesmo se pode dizer da leitura de uma carta.

Uso de modo natural a escrita epistolar. Não sou nem uma pintora nem uma escritora que expõe com todos os pormenores. Uma história muitas vezes surpreende-me. A Gwen John escreveu muitas cartas. Numa delas afirma: “Para mim escrever uma carta é um acontecimento muito importante! Tento dizer exatamente o que tenho em mente”. O texto em forma de carta requere precisão. Apercebi-me que precisava de dizer mais sobre o tipo de pintora que sou, e que a Gwen John é. Tanto para mim quanto para ela, (e para muitos artistas) a qualidade espiritual dos quadros é o mais importante. E, por espiritual, não quero dizer “religioso” necessariamente. Um quadro mais do que misterioso, tem de ser estático. Não existem atalhos para atingir esta quietude. Não se pode ter uma vida atarefada e, pintar intensamente focados, quadros assim. Gwen tornou-se uma reclusa, por escolha própria. Tinha esperança que ao lhe escrever cartas, pudesse descobrir se esta também seria a minha escolha.

Cartas a Gwen John de Celia Paul foi publicado em abril de 2022 pela editora Jonathan Cape, no Reino Unido, e no New York Review Books, nos Estados Unidos. A publicação coincidiu com uma importante nova exposição, Celia Paul: Memory and Desire, na galeria Victoria Miro, em Londres, que esteve patente ao público de 6 de abril a 7 de maio de 2022.

 

Traduzido por Ivo Eduardo Correia

Este é um projeto de tempos livres. Sou um leigo nas lides da tradução, não tenho experiência nem Licenciatura nesta área. Gosto de desafios e de melhorar os meus conhecimentos linguísticos e literários. Sejam compreensivos!