sábado, 22 de março de 2025

Ensino especial ou ensino inclusivo?

O ensino inclusivo não pode ser um dogma

Crianças e adolescentes, com incapacidade intelectual, com alterações graves do comportamento, não verbais e sem autonomia de alimentação ou de higiene, necessitados de cuidados constantes de suporte, com necessidade de vigilância e apoio médico regular e de equipas multidisciplinares de apoio não têm condições, nem vantagem, nem segurança, nem futuro no ensino inclusivo. No caso das perturbações do espectro do autismo, mesmo as crianças e adolescentes com mais autonomia e melhores competências cognitivas dificilmente terão algum benefício com uma sociabilização forçada. A inaptidão nas relações sociais, a dificuldade de se adaptarem a situações novas e a singularidade de alguns dos seus comportamentos tornam-nos facilmente alvos de chacota e de incompreensão por parte de colegas e, mesmo, de professores menos informados sobre a origem deste tipo de comportamentos.

O Decreto-Lei 3/2008 propôs a “escola inclusiva” como o único recurso para as crianças com necessidades educativas permanentes. O objetivo a que se propunha era “o sucesso educativo, a autonomia, a estabilidade emocional, bem como a promoção da igualdade de oportunidades”. Qualquer criança, independentemente do tipo de perturbação, deveria ser aceite em qualquer escola, mesmo que esta não dispusesse de condições adequadas para a acolher. Os objetivos deste decreto-lei e os meios através dos quais se propunha atingi-los eram manifestamente desajustados da realidade. As unidades de ensino estruturado aí previstas tornaram-se, na maioria dos casos, locais segregados dentro do espaço das escolas.

Na sequência do debate desencadeado pela publicação do Decreto-Lei 3/2008, viria a ser posteriormente publicada a Lei 21/2008, que admitia o recurso ao ensino especial, nos casos em que as adaptações fossem “comprovadamente insuficientes em função do tipo e grau de deficiência do aluno” e após um “processo de referenciação e de avaliação”, no qual a participação dos pais se limita a uma declaração de concordância. Segundo o decreto-lei, são as escolas que têm de declarar incapacidade, não cabe aos pais sinalizar a incompetência da escola.

Mais tarde, o Decreto-Lei 54/2018 estabelece o “regime jurídico da educação inclusiva”, ocultando o encaminhamento para outras estruturas, nomeadamente de educação especial. A forma de referenciação, essa, continua a ser a mesma, regulada por portarias de 1997 (Portarias n.º 1102/97 e n.º 1103/97).

O ensino inclusivo não pode, contudo, ser um dogma. A existência de ensino inclusivo em paralelo com estruturas diferenciadas de apoio de educação especial é a prática mais realista e a que, em muitos países, tem provado ter os melhores resultados. O suporte familiar é também, no caso das estruturas de educação especial, muito mais acautelado. No caso das crianças e adolescentes portadores de deficiência grave, a sobrecarga familiar é tremenda. Os horários letivos, bem como os prolongados períodos de férias escolares do ensino regular, aumentam tremendamente essa sobrecarga, levando a que, necessariamente, pelo menos um dos elementos da família tenha de ficar em casa. O recurso a centros de atividades de tempos livres (ATL) é também, nestes casos, muito difícil, atendendo às particularidades destas crianças e à falta de estruturas adaptadas e de pessoal com formação específica na quase totalidade dos ATL. Dificultar ou inviabilizar alternativas diferenciadas de ensino é abandonar ainda mais os que já vivem um dos maiores abandonos, é sobrecarregar ainda mais as famílias que suportam a maior carga.

No caso dos alunos com autismo, a intervenção adequada às suas necessidades particulares e que atenda às suas singularidades é, por norma, muito diferente da que é adaptada a pessoas com outras perturbações do desenvolvimento.

A existência de ensino inclusivo em paralelo com estruturas diferenciadas de apoio de educação especial é a prática mais realista e a que, em muitos países, tem provado ter os melhores resultados.

 As equipas docentes e de assistentes operacionais nem sempre têm treino ou formação específica que os ajude a lidar de forma correta com pessoas com autismo, nem as instalações são, a maioria das vezes, as mais adaptadas. As alterações de comportamento, frequentes em pessoas com autismo, são um exemplo de situações com as quais os técnicos não treinados estão pouco habilitados para lidar. A não serem devidamente geridas, podem pôr em risco a pessoa que as exterioriza, os outros alunos, os docentes e os equipamentos. Em muitos casos, aquando da ocorrência de alterações do comportamento, com agitação motora, autoagressão ou agressão a terceiros, mesmo que não seja intencionalmente determinada, os pais ou tutores são contactados pelas escolas e é-lhes pedido que levem o filho com eles, “até se acalmar e estar em condição de poder voltar”. Em muitos casos são mesmo instruídos processos disciplinares. Mais uma vez, a sobrecarga cairá sobre os pais que, sem outros apoios, são tornados responsáveis pela contenção e acompanhamento do filho em crise.

O ensino inclusivo, sendo o desejável, não é necessariamente o melhor em todos os casos e nem sempre é possível; o ensino especial não é sempre, mas, às vezes, é a melhor solução. Aos pais cabe o direito de escolher a educação a dar aos filhos. Aos pais cabe o direito de proteger a família como um todo.

Professor catedrático da NMS/UNL; director clínico da APPDA-Lisboa 

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