domingo, 16 de março de 2025

Ser ou Parecer - Oliver Harden

 A Hipocrisia do Espetáculo: A Obscenidade do Ser Puro e o Teatro das Aparências

A civilização, em sua ânsia por domesticar o caos da existência, sempre buscou edificar a ilusão da pureza. Sejam os dogmas religiosos, as moralidades inflexíveis ou as utopias ideológicas, a humanidade parece estar sempre a perseguir um ideal de perfeição, uma imagem de si mesma que a expurgue de toda falha, de toda contradição, de toda sombra que a constitua em sua verdadeira substância. Mas essa pureza não é apenas inalcançável, ela é uma obscenidade, pois aquilo que se quer absolutamente puro necessariamente se distancia do humano, tornando-se uma caricatura inerte, um simulacro do real.
É precisamente essa impossibilidade da pureza que faz com que tantas pessoas vivam de aparências, sustentando a farsa do ideal, fingindo uma harmonia interior que não possuem, um caráter que não praticam, uma felicidade que não experimentam. A sociedade se transformou em um grande teatro onde cada indivíduo interpreta um papel, não para si mesmo, mas para o olhar do outro, como se apenas a máscara fosse digna de aceitação. A verdade íntima do ser, seus medos, suas falhas, suas hesitações, sua vulnerabilidade, deve ser velada, pois exibi-la significaria reconhecer o próprio fracasso diante da fábula do ser puro.
E qual seria o problema dessa obsessão pelo verniz, pela imagem projetada? Em primeiro lugar, há a corrosão da autenticidade. Quem vive apenas de aparências é aquele que abdica de si mesmo para se tornar o reflexo das expectativas alheias. Sua identidade se dilui na superfície daquilo que os outros desejam ver, e sua subjetividade se esvazia, pois já não se constrói sobre suas próprias experiências, mas sobre a necessidade constante de manutenção do personagem socialmente aceito.
Além disso, essa encenação da pureza gera uma estrutura de exclusão. Se o ideal de perfeição se impõe como valor absoluto, todo aquele que não se conforma a ele, seja em sua moralidade, em seu corpo, em suas escolhas, em suas imperfeições, se vê marginalizado. A busca pela pureza, quando elevada à norma, torna-se uma máquina de segregação, pois exige que os “impuros” sejam silenciados, que os desviantes sejam disciplinados, que os erros sejam escondidos ou punidos. O resultado é uma sociedade doente, onde a verdadeira substância da existência precisa ser reprimida para não perturbar a ordem estética do espetáculo.
Mas o que há, afinal, de tão obsceno no ser puro? A resposta é simples: a pureza absoluta é uma negação da vida. Tudo o que pulsa, tudo o que cresce, tudo o que se transforma carrega em si a marca da imperfeição, da mistura, do erro. O absolutamente puro é também o absolutamente morto, pois é apenas na interação do oposto, na dialética entre luz e sombra, que a existência encontra seu dinamismo. O rio cristalino só permanece assim porque nele não há vida. A carne asséptica não pulsa. O ser que se pretende absolutamente puro é um ser que rejeita o próprio tecido do real.
Eis, portanto, a grande ironia da sociedade que vive de aparências: para não mostrar suas imperfeições, suas crises, suas contradições, ela escolhe representar um ideal que, no fundo, é uma negação da própria humanidade. Mas essa máscara não pode ser sustentada indefinidamente. Como um edifício construído sobre areia, a ilusão do ser puro inevitavelmente rui. E quando cai o espetáculo, resta apenas o vazio, o abismo de um ser que, ao tentar parecer perfeito, esqueceu-se de existir.
Oliver Harden
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