domingo, 16 de março de 2025

Vera Ramalho - Psicóloga Clínica in O Público de 16-03-25

 

Resiliência em família: ir além da adversidade

Nem sempre as dificuldades emocionais e comportamentais são fases transitórias do desenvolvimento normal, podendo representar a vivência de situações adversas que geram grandes prejuízos funcionais

O crescente interesse pela saúde mental das crianças e dos adolescentes, período marcado por rápidas modificações neurobiológicas, psicológicas e sociais, possibilitou a compreensão de que nem sempre as dificuldades emocionais e comportamentais são fases transitórias do desenvolvimento normal, podendo representar a vivência de situações adversas que geram prejuízos funcionais significativos e risco para o desenvolvimento de psicopatologia na transição para a vida adulta.

Especificamente, neste período, as perturbações e comportamentos mais frequentes, fruto desta vulnerabilidade, incluem a depressão, as tentativas de suicídio, a ansiedade, o abuso de substâncias, as perturbações alimentares, o stress pós-traumático e as perturbações de personalidade.

A relação entre estes indicadores pode ser explicada através de mecanismos variados, podendo, inclusive, resultar não somente das experiências adversas em si, mas de fatores de risco ou circunstâncias que lhes estão associadas, como a ausência de apoio social, a pobreza, um ambiente familiar instável e disfuncional, onde coexiste a violência doméstica, o abuso emocional, sexual e/ou físico. Em acréscimo, a perturbação mental parental, a negligência, o consumo de álcool/drogas, a perda/afastamento parental (incluindo morte, divórcio complicado ou a institucionalização da criança) e a vivência de múltiplas adversidades podem constituir-se como factores de risco adicionais.

Devemos considerar que a concomitância de experiências adversas é altamente prevalente, sendo que a acumulação de vários fatores de stress e de risco está associada ao sofrimento emocional no imediato e a médio/longo-prazo, ao longo do ciclo de vida. Do ponto de vista neurológico, por exemplo, encontram-se evidências de mudanças biológicas como resultado de experiências nefastas repetidas que afetam o sistema límbico e o córtex pré-frontal.

Estas experiências constituem-se numa ameaça ao sentimento de estabilidade e segurança da criança e o seu impacto pode manifestar-se através de comportamentos ou sinais de alerta, como, por exemplo, malestar físico constante, medo de estar longe dos pais, agressividade, perda de aptidões anteriormente adquiridas, falta de interesse e afastamento dos colegas, recusa escolar ou fuga da escola, preocupação sobre a segurança, dificuldade em exprimir-se, perturbações de sono e da alimentação, dificuldade em concentrar-se, choro com facilidade, etc.

Em contrapartida, o contexto familiar e social mais vasto pode desempenhar um papel promotor da adaptação e a qualidade destas relações assumir-se como elemento protetor do desenvolvimento, mesmo quando a criança/adolescente está exposta aos supracitados fatores de risco.

De facto, o confronto com a diversidade relacional pautada por disponibilidade, sensibilidade e responsividade por parte de adultos próximos pode permitir que, não obstante a experiência de adversidade, a criança/adolescente possa desenvolver, nas suas múltiplas áreas de funcionamento, padrões comportamentais, emocionais, cognitivos e sociais promotores de adaptação. Neste sentido, importa que adultos que se constituam como fonte de segurança para a criança/adolescente atuem de modo consentâneo com as necessidades da mesma, de modo consistente em prol do seu bem-estar.

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