O meu avô contava histórias maravilhosas. Traziam brilho aos dias cinzentos.
- Há dias cinzentos como elefantes trombudos - era o que o meu avô dizia.
Podemos pescar um sol - dizia ele. E fazia uma cana de pesca de pescar o sol. Às vezes, por engano, puxávamos a linha e vinha de lá uma nuvem. Ou uma mosca dançarina. Se pescávamos uma nuvem, fazíamos sumo de nuvem.. Apertávamos as mãos. Apertávamos muito, como uma nuvem lá dentro. Se for cor de laranja, chove laranjada. Se for azul, chove tinta de caneta e temos de escrever esta história.
Se for mosca dançarina, dança e foge pela janela.
E escrevíamos.
Escrevíamos histórias assim:
Era uma vez uma ilha que era uma porção de terra rodeada de gente de barriga para o ar por todos os lados. Nessa ilha havia uma língua de terra. Essa língua de terra adorava gelados e caramelos. Ninguém podia ir à ilha usando barco, canoa, piroga ou bote. Porque era uma ilha rodeada de gente de barriga para o ar, só se podia chegar a essa ilha indo de cinto ou de calças, de camisola, de coisas que tapassem a barriga daquela gente que rodeava a ilha. Quem corresse com os pés descalços sobre a gente de barriga para o ar, fazia-lhe tantas cócegas que desistia de ir à ilha. Podia-se chegar à ilha de avião. Mas tinha de ser um avião de papel, atirado de longe com pontaria certeira.
No meio da ilha não havia uma palmeira. Havia um candeeiro com luz baixa. Debaixo dele é que se liam os contos.
Há três contos para ler: o conto que se lê devagar, porque tem palavras difíceis, muito compridas, ou porque tem daquelas histórias tão boas que não queremos que acabem.
Há o conto que se lê calmamente, que traz com ele sempre uma história calma.
Há o conto que se lê rapidamente, porque tem palavras fáceis, ou porque tem palavras divertidas, ou porque queremos saber como acaba.
Às vezes, o meu avô e eu fazíamos piqueniques no chão da ilha. Piqueniques de histórias: com empadões de vento e pudins de ar e rajadas de bebidas doces.
E havia uma canção para cada dia. A canção sem música, feita de gestos.
A canção sem letra, feita de música, e a canção de letras, feita de histórias.
Nada disto aprendi sozinho. Era o meu avô quem me ensinava. Eu só fixei.
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