sexta-feira, 14 de março de 2025
O Desejo e as suas consequências
A primeira mulher japonesa a escrever um clássico
No século XI, uma mulher japonesa escreveu uma obra literária que seria considerada o primeiro romance do mundo. Esta é a história de Murasaki Shikibu.
O livro como memória da humanidade
O Livro
O comportamento das massas ou o efeito "alcateia"
quinta-feira, 13 de março de 2025
Dorme a noite inteira?
Dormir “dois sonos” ou a noite inteira? Sono bifásico já não faz sentido, dizem especialistas
O sono bifásico, como faziam os monges, não é o melhor conselho, mas, se acordar a meio da noite com uma insónia, evite ficar na cama, aconselham as especialistas a propósito do Dia Mundial do Sono
- Público - Edição Lisboa
- Inês Duarte de Freitas
“O primeiro e segundo sono” é uma conhecida expressão que se refere às fases do sono, mas tem uma ligação mais profunda à História. Antes de haver electricidade, era habitual encontrar referências ao hábito de dormir por dois turnos, em vez de uma noite inteira de oito horas. Mas o que é mais saudável: fazer um sono polifásico ou uma noite sem interrupções? A propósito do Dia Mundial do Sono, assinalado amanhã, as especialistas em patologias do sono lembram que o fundamental é não ficar em privação de sono e, preferencialmente, dormir quando está escuro lá fora.
Era assim que os nossos antepassados regiam as suas noites de sono: pela luz e pela escuridão. Em 2022, o historiador britânico Roger Ekirch publicou At Day’s Close: Night in Times Past (No final do dia: a noite nos tempos passados, sem tradução em português), onde reunia relatos sobre os sonos bifásicos ao longo da história, a partir de textos da literatura ou crónicas históricas desde a Idade Média até ao final do século XVII.
Nessa época, diz o historiador, as famílias tinham por hábito deitar-se logo após o anoitecer para dormir durante quatro horas. Depois, acordavam durante uma ou duas horas, tempo que utilizavam para socializar, rezar, completar tarefas domésticas ou fazer sexo. Por cá, o investigador João Fontes, do Instituto de Estudos Medievais da Nova FSCH, em Lisboa, diz que a literatura histórica não revela este hábito na maioria da população, apenas entre o clero. “Os monges deitavam-se cedo porque a últimas horas litúrgicas eram ao entardecer, mas acordavam a meio da noite para um tempo de vigília”, diz.
Na tradição religiosa, encontram-se relatos destas adorações nocturnas, nomeadamente de milagres que aconteciam a estas horas, continua. Contudo, para o resto da população, “a noite era o espaço de descanso”, depois de um dia a trabalhar “de sol a sol”. O investigador explica que “a vida do homem medieval” se regia
25 minutos é o tempo certo para dormir uma sesta, que não deve estar muito próxima da hora de acordar, nem de deitar
precisamente pelas horas diurnas e nocturnas e, em algumas cidades, como era o caso de Lisboa, havia uma espécie de recolher obrigatório, com os sinos a tocarem para lembrar que era preciso voltar a casa.
O que seria hoje o jantar (então, a ceia) acontecia por volta das 19h ou 20h e, depois de algum tempo de “convívio”, as famílias dormiam. “A maioria das casas tinha um único piso e uma única divisão, em que tudo se organizava em função do fogo. São aí os espaços de cozinha e para dormir”, descreve o docente.
Habitualmente dormiam toda a noite, diz. Não que isso possa ser o mais natural ao humano: na década de 1990, o psiquiatra norte-americano Thomas Wehr conduziu um estudo em que deixou os participantes às escuras durante 14 horas (em vez das habituais oito horas) ao longo de um mês. No final da quarta semana, todos começaram a fazer um sono bifásico. Sofia Rebocho e Vânia Caldeira não negam que o processo possa ser natural, mas defendem que não é adaptado ao quotidiano.
“Do ponto de vista biológico, não consigo ver nenhuma explicação para fazermos isso. Os espanhóis fazem a sesta, mas, durante a noite, não há vantagem em fazer intervalos no sono”, opina Sofia Rebocho, cardiopneumologista e autora do livro e podcast O Teu Mal é Sono. E a pneumologista Vânia Caldeira concorda: “Não digo que isso não fizesse sentido no passado, mas perante o que é o nosso ritmo social esta prática torna-se difícil pela exposição à luz.”
Se acordar de noite
O sono interrompido “é um critério” para as patologias clínicas deste ramo, diz a responsável da comissão de trabalho de Patologia do Sono da Sociedade Portuguesa de Pneumologia. “Para o nosso ritmo circadiano, o melhor é termos a maior exposição à luz durante a manhã e limitar ao final da tarde o acesso à luz artificial”, aconselha Vânia Caldeira. Sofia Rebocho completa: “Os nossos períodos de sono são associados à pressão do sono. Ou seja, quanto mais tempo estamos acordados, mais propensão temos para dormir. O nosso ritmo circadiano repete-se a cada 24h e o ciclo repete-se.”
Mas o sono polifásico é normal em algumas fases da vida, sobretudo durante o primeiro ano de vida, em que os bebés fazem vários sonos ao longo do dia. Depois, entre os três e os cinco anos, o padrão torna-se bifásico, já que as sestas durante o dia continuam a ser prolongadas.
No resto da vida, há algumas regras a cumprir no que toca às sestas, que são mesmo de evitar para quem tem insónias. “É um bom hábito, mas não pode ultrapassar os 25 minutos, caso contrário estamos a roubar a pressão do sono para ir dormir à hora certa”, aconselha Sofia Rebocho.
Caso durma mais do que 25 minutos, estará a passar para a fase seguinte do sono e acordar poderá ser mais difícil, tornando-o rabugento. “A hora a que se faz a sesta também é importante. Não deve estar muito próximo da hora de acordar, nem da de deitar”, sublinha Vânia Caldeira. “Somos seres programados para dormir de noite de acordo com o ciclo da terra”, argumenta Sofia Rebocho, lembrando que a exposição à luz bloqueia a libertação da melatonina, a hormona da noite. Assim, cada noite de sono deve ter habitualmente entre três e cinco ciclos de sono.
Apesar de uma noite de sono ininterrupta ser aconselhada, tal não quer dizer que seja motivo de preocupação se despertarmos a meio da noite. “Consideramos que é problemático o que é acima de dez microdespertares por hora. Quando são microdespertares normais, de apenas alguns segundos, não se sai do sono REM”, explica Vânia Caldeira.
Todavia, quando se sentem as mazelas dos despertares no dia seguinte, isso é sinal de que poderá sofrer de alguma patologia do sono.
Caso acorde com uma insónia, talvez o que faziam os nossos antepassados entre o primeiro e o segundo sono não esteja errado. “Se passarem 20 minutos e não consegue retomar o sono, deve levantar-se”, sugere a pneumologista. Porque “a cama começa a ser associada a um elemento stressante e à insónia”, diz Sofia Rebocho. Mas não é aconselhado ir trabalhar ou ver ecrãs, já que são actividades estimulantes. Bons exemplos de o que fazer durante a insónia são a leitura com luzes baixas, a meditação ou a escuta de música relaxante que poderá trazer de volta o sono.
De resto, para uma boa noite de sono — nada menos do que sete horas por dia —, as duas especialistas voltam a reforçar os já habituais conselhos: jantar leve; poucas bebidas à noite; baixa exposição à luz e aos ecrãs; e ir para cama só quando for para dormir. Bons sonhos.