Cinco anos de “Brexit”, cinco anos de crises no Reino Unido
Promessas brexiteers para a economia e imigração no pós-saída da UE ainda não se cumpriram. Governo trabalhista defende reaproximação aos 27, mas sem alienar eleitorado eurocéptico britânico
- Público - Edição Lisboa
- António Saraiva Lima
“A coisa mais importante que se deve dizer hoje é que isto não é um fim, mas um início. [O ‘Brexit’] é um momento de verdadeira renovação e de mudança nacional. É o despertar de uma nova era, em que deixamos de aceitar que as oportunidades das vossas vidas e das vossas famílias possam depender da zona do país onde cresceram.” Estas foram as ideias fortes que o então primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, deixou aos britânicos, através de uma mensagem divulgada pelo seu Governo pouco antes das 23h do dia 31 de Janeiro de 2020, a hora oficial da saída do país da União Europeia, que cumpriu o resultado do referendo de 2016 (52% a favor do “Brexit”).
Pode ser difícil argumentar contra a ideia de que a consumação do “Brexit” foi, de facto, o início de algo; está, no entanto, por confirmar se, aos dias de hoje, a “nova era” proclamada por Johnson corresponde ao que o antigo governante conservador e outras figuras de proa do universo brexiteer prometeram aos eleitores. Cinco anos depois do divórcio com os 27, o PIB do Reino Unido encolheu; a imigração líquida aumentou; as exportações diminuíram; o preço dos bens alimentares disparou; contam-se pelos dedos de uma mão os tratados comerciais bilaterais (e nem sequer começaram as conversas para o prometido acordo de livre comércio com os EUA); e o Partido Conservador, que governava o país desde 2010 e que negociou e implementou o acordo do “Brexit”, já nem está no governo.
Pelo meio, houve uma pandemia mundial, uma guerra europeia e uma crise energética e inflacionária, que, para os “leavers” mais convictos, foram decisivas para transformar o “Brexit” num projecto adiado ou incompleto, e, por isso, passível de ainda ser um caso de sucesso.
Houve ainda uma crise política explosiva dentro dos tories, que tiveram três primeiros-ministros entre 2020 e 2024. Johnson caiu e afastouse da política por causa do escândalo das festas em Downing Street durante a pandemia, entre outros; Liz Truss teve a governação mais curta de sempre, depois de o seu plano económico ter atirado a libra para mínimos históricos; e Rishi Sunak foi derrotado nas urnas com um dos piores resultados de sempre.
Boris Johnson (em cima), do Partido Conservador, proclamou “nova era” a 31 de Janeiro de 2020. Cinco anos depois, é o trabalhista Keir Starmer (em baixo) que está no poder
Reino Unido poderá perder mais de 371 mil milhões de euros até 2035 por causa do “Brexit”
“Andámos a fazer anúncios sem termos planos adequados. Anunciámos que íamos sair da UE antes de termos um plano de crescimento fora da UE”, admitiu Kemi Badenoch, nova líder dos tories.
“Desastre histórico”
Durante a campanha para o referendo, os apoiantes da saída asseguraram que o “Brexit” iria permitir a injecção de “350 milhões de libras” por semana no sistema nacional de saúde britânico. Mas segundo um estudo publicado este mês pela Cambridge Econometrics, a saída da UE já custou cerca de 140 mil milhões de libras (mais de 167 mil milhões de euros) à economia do Reino Unido, que, a este ritmo, pode registar perdas na ordem dos 311 mil milhões de libras (371 mil milhões de euros) em meados da próxima década. Até 2035, diz o estudo, o país terá menos três milhões de postos de trabalho, menos 32% de investimento e menos 16% de importações do que teria se não tivesse abandonado a UE.
Nos termos do Acordo de Comércio e Cooperação UE-Reino Unido, em vigor desde o início de 2021, os britânicos abandonaram o mercado único e a união aduaneira europeia, o que implica a realização de controlos alfandegários à entrada e saída de produtos do país.
“Há um debate que podemos afirmar de forma segura que está encerrado: o ‘Brexit’ teve, e continua a ter, um impacto negativo na economia do Reino Unido”, decretam Anand Menon e Joël Reland, do think tank britânico UK in a Changing Europe. “É mais complicado e dispendioso comercializar com um bloco [a UE] que representa mais de metade de todas as nossas trocas comerciais. Isto reflecte-se no investimento e, talvez de forma mais notória, no comércio de mercadorias”, sublinham os investigadores, num artigo publicado no semanário The Observer.
Michael Heseltine, antigo vice-primeiro-ministro conservador, não tem dúvidas em descrever o “Brexit” como um “desastre histórico”. “Destruiu a liderança do Reino Unido na Europa, precisamente numa altura em que era extremamente necessária; acabou com as oportunidades para a geração mais jovem partilhar os benefícios da Europa; e negou à base industrial britânica o acesso à investigação e às políticas da Europa”, lamenta, citado pelo Independent.
No campo da política migratória, frases fortes como “retomar o controlo” das fronteiras também foram amplamente promovidas pelos “leavers”. Mas o fim da liberdade de circulação e a entrada em vigor das novas regras britânicas levaram a um aumento histórico do número de entradas de imigrantes no Reino Unido. Segundo os dados oficiais, só nos primeiros 12 meses de “Brexit”, a migração líquida subiu para 484 mil pessoas, o número mais alto da última década. Entre Junho de 2021 e Junho de 2024, pelo menos 3,6 milhões de imigrantes entraram no Reino Unido, fixando a migração líquida em 2,3 milhões.
Desde que o Governo de Keir Starmer entrou em funções, a imigração e a crise económica têm continuado no topo da agenda política e mediática, também por causa do crescimento do Reform UK, o partido populista de direita radical, herdeiro do Partido do Brexit, de Nigel Farage, que tem conseguido roubar tempo de antena ao Partido Conservador.
Uma das prioridades políticas do primeiro-ministro trabalhista tem sido a de levar a cabo um “reset” nas relações com a União Europeia e com os governos dos principais países europeus. Starmer tem, ainda assim, consciência do peso do eleitorado eurocéptico ou que ficou marcado pelo trauma do período pós-referendo, pelo que, tal como fez durante a campanha eleitoral, continua a tratar o “Brexit” ou o debate sobre um regresso à UE como temas tabu.
Para Jannike Wachowiak, investigadora do think tank belga European Policy Centre, as políticas do Governo britânico relacionadas com a UE, nomeadamente no campo económico, têm sido demasiado “vagas”: “É difícil evitar a impressão de que a política da UE é periférica para o Governo de Starmer”.
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