domingo, 23 de março de 2025

A tragédia dos imigrantes!

 


A 3 de outubro de 2013, uma traineira apodrecida que saíra de Misrata (Líbia) com cerca de 500 migrantes a bordo, na sua maioria provenientes da Eritreia, naufragou a um quilómetro da ilha de Lampedusa. Saldo: pelo menos 360 mortos. Esta não foi a primeira nem a última tragédia deste tipo, mas as circunstâncias do naufrágio, com terra à vista e uma resposta lenta da Guarda Costeira, fizeram dele o símbolo de um problema político, mas sobretudo humano, que a União Europeia tem enfrentado com muita dificuldade e não poucos equívocos.

★★★★

LAMPEDUSA — IR E NÃO CHEGAR

Ana França

Tinta-da-china, 2025, 167 págs., €16,90

Reportagem


Ana França escreveu várias reportagens no Expresso sobre as implicações do desastre na ilha (que visitou três vezes), nas políticas migratórias europeias, e sobretudo na vida de quem escapou à morte naquela noite, de quem se mobilizou para salvar (Vito no seu barquinho de pesca, resgatando 47 pessoas) e de quem luta para esclarecer a verdade sobre o que aconteceu. Em formato de livro, sem as limitações de espaço do jornal, a autora ampliou muitíssimo a sua abordagem, valendo-se do trabalho de campo, das entrevistas, e de um mergulho nas minúcias dos processos judiciais e legislativos.

O resultado é um brilhante levantamento dos factos, escrito por vezes com fôlego literário, que nos mostra a realidade brutal a que os migrantes fogem nos países de origem, a odisseia de inimagináveis tormentos a que se sujeitam, às mãos dos traficantes, até chegarem à costa do Mediterrâneo (viajando em carrinhas de caixa aberta sem segurança, sofrendo torturas em prisões no deserto, ou infames abusos sexuais, no caso das mulheres), culminando na experiência de entrar, sem colete salva-vidas, num barco decrépito com destino à mirífica, e tantas vezes ilusória, “porta da Europa”.

Fazendo zoom in e zoom out, o livro narra ainda impressionantes histórias paralelas de resiliência e perda (a de Solomon e Adal, hoje na Suécia), integrando-as no quadro de uma lúcida análise macropolítica.

 

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