Mantenho a minha opinião que o ensino não é para todos. O ensino foi, e sempre será, para aqueles que querem aprender. Esses não podem ser, constantemente, prejudicados por aqueles que estão na escola forçados. A escolaridade obrigatória até aos 18 anos, sim, mas os alunos reprovavam por faltas a partir do ensino secundário. Deste modo, todos seriam responsabilizados pelo seu percurso escolar qualquer que ele fosse. Portugal ainda não atingiu a quota de alunos nos cursos profissionais, seria a altura ideal para apostar nessa área e no ensino pós laboral.
Ivo Correia
O abandono escolar oculto e o ensinar a quem não quer
- Público - Edição Lisboa
- José Matias Alves
Depois de uma histórica redução do abandono escolar precoce, Portugal registou uma subida neste indicador, parecendo indiciar que há mais alunos a quererem abandonar o ensino secundário sem o concluir. Nesta breve nota, sublinhamos duas questões, em regra ausentes da reflexão pública: o abandono escolar oculto e o alheamento de um número indeterminado, mas certamente expressivo, de alunos que não querem aprender muito do que está prescrito nos programas oficiais.
Por abandono escolar oculto designamos, na esteira de António Oliveira, “os alunos que, não sendo considerados em situação de abandono escolar efetivo, permanecem matriculados no sistema educativo/ formativo sem se envolverem no seu processo de aprendizagem, embora reúnam e manifestem, em diferentes graus, um desengajamento face à escola, como que incubando o abandono efetivo que, mais cedo ou mais tarde, tem muitas probabilidades de ocorrer”.
Esta desvinculação configura uma interpelação radical às escolas e aos professores. De facto, nas escolas surgem crescentemente alunos e alunas que não querem aprender o que está prescrito e que não estão dispostos a assumir o estatuto de aluno. E este fenómeno é, certamente, fator de indisciplina e de bullying.
E porque pode estar a crescer o número de alunos que não querem aprender? Porque os programas não os convocam para a compreensão do mundo e da vida. Porque o conhecimento tende a ser social e empresarialmente desvalorizado. Porque 12, 15, 18 anos de estudo a tempo inteiro não abrem horizontes de vida promissores e gratificantes. Porque, como sublinhava Edgar Morin, “não inserimos no(s) programa(s) temas que podem ajudar os jovens, sobretudo quando se tornarem adultos, a enfrentar os problemas da vida. Distribuímos o conhecimento, mas não dizemos que ele pode ser uma forma de traduzir a realidade e que podemos cair no erro e na ilusão. Não ensinamos a compreensão do outro, que é fundamental nos nossos dias, não ensinamos a incerteza, o que é o ser humano, como se nossa identidade humana não fosse de nenhum interesse. As coisas mais importantes a saber não se ensinam”.
Não obstante esta questão estrutural, temos de fazer a pergunta: como ensinar quem não quer aprender? Esta é uma das missões (im)possíveis dos professores. Ensinar a quem não quer, na escolaridade obrigatória até aos 18 anos, é um dos maiores desafios que se colocam à ação docente. Porque o verbo aprender não suporta o imperativo. Porque quem não quer sempre perturba a aula, ora com o tédio ostensivo, ora com a indiferença, por vezes, com o escárnio e o absoluto alheamento.
Um dos maiores desafios e um dos maiores tormentos. Pois, nessas circunstâncias, o professor vê que não toca esse ser ausente, que não cumpre a sua missão de ensinar. Sente-se então um inútil e, em parte, co-responsável por um manifesto insucesso.
Como ensinar a quem não quer aprender? Inquirir das razões dessa ausência; interpelar, insistir para que esse sujeito ausente volte ao círculo da aprendizagem, ligar a matéria à vida, fazer de cada aula uma oficina onde sempre se faça alguma coisa diferente da escuta passiva; variar estratégias, inventar desafios, expressar expectativas positivas e verosímeis, instalar um clima de confiança nas possibilidades de desenvolvimento; desatar os nós da indiferença, criar novos laços, mostrar a pertinência e relevância do que se pretende ensinar (às vezes, missão bem difícil…).
Para ensinar a quem não quer é preciso recorrer a todos os ensinamentos de todas as pedagogias, desde as mais antigas até às mais recentes. E, sobretudo, tecer os laços que possibilitem um trabalho docente mais colaborativo, em que as vozes dos professores e das professoras possam emergir para dizerem o que sabem, o que não sabem, o que sentem, aquilo de que precisam.
Porque, face às muitas missões (im)possíveis, nós, professores, somos, provavelmente, a única força, o único alento, (quase o) único remédio para a sobrevivência profissional. Que bom seria que soubéssemos isso. Que sentíssemos isso. Nessa altura, a nossa vida profissional e pessoal começaria a ser um pouquinho diferente e melhor.
Professor da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa
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