quinta-feira, 16 de junho de 2022

 

Proposta de amizade (Overture)   

Janice Galloway

 

Para apanhar um polvo é necessário permanecer imóvel. E um par de olhos apurados.

Nem mais, nem menos.

Agosto e setembro são os melhores meses, porque nessa altura as crias do polvo estão sozinhas, as fêmeas regressaram às profundidades e abandonaram-nas completamente nas águas pouco profundas. Escolha uma poça marinha cujas águas sejam algo turvas entre declives planos cheios de pequenas cavidades de ambos os lados e que, depois, seja fácil de subir à superfície. Se a pequena poça natural tiver a profundidade certa e não for mais larga do que um poço, melhor. O sítio ideal - se à volta as águas estiverem agitadas. Tenha em conta a rapidez com que a maré sobe, observe se a água está a subir ou a vazar. Não pretende se afogar, pois não? Verifique os buracos na rocha, os seus padrões e os sítios onde estão, para quando descer tenha onde apoiar as mãos e os pés em segurança. Quantos mais buracos melhor: debaixo de água são sítios propícios para peixes, moluscos e pequenos invertebrados se esconderem. Quando tiver a certeza do caminho a seguir, comece. Conserve a sua cara virada para a rocha, os dedos esticados, e deslize pela beira. Enfie os dedos dos pés em cada um dos apoios à procura de lodo ou de ocupantes instalados antes de confiar no seu peso: Experimente à mesma os apoios para as mãos. Algo com pinças pode ripostar. A seguir, desça até os seus calcanhares entrarem na água e a luz acima se tornar menos brilhante. Preste atenção à corrente. Aja como um gato, com muito cuidado. Coloque o seu queixo firme contra a rocha e olhe para o fundo. Verifique até onde consegue ter visibilidade. Faça figas para que haja areia em baixo, que não haja cacos ou crustáceos. E quando estiver pronto, inspire fundo, e desça.

Desça. O choque é momentâneo.

Abra os olhos.

Observe as formas desenhadas pela luz aquando da ondulação, tudo aquilo é movimento. Eles sabem que está lá. Ignore as estrelas do mar. Ignore os caranguejos. Não se preocupe com o que não for voluptuoso. Deixe os seus braços leves, os seus ombros descaírem, e aguarde. Aguarde. E elas virão. Como fantasmas que surgem de sítios secretos, por sua própria iniciativa, elas virão, apesar de tudo, porque são curiosas incapazes de resistir. Primeiro, uma, pequena como um punho, os seus pequenos tentáculos desenrolando-se a fim de encontrar o seu pulso, envolve-lo com pele macia. Ela pode detetar a palma da sua mão. Está na sua natureza explorar o meio à volta. Agora ela está seduzida pela curiosidade. Tente não fazer nada, mantenha-se imóvel. Deixe que ela apresente o seu abraço e enrole os seus tentáculos. Lentamente, toque nela. E ela enrolar-se-á com prazer, pressione-a contra a sua mão como se fosse uma gatinha, e queira mais. Quando ela se tornar adulta o seu bico vai morder até ao osso pois ela tem consciência de que você é traiçoeiro, mas, neste momento, ela é apenas uma cria. Ela não tem malicia. Deixe que São Francisco seja o seu guia. Um animal selvagem encontrou-o. Você foi abençoado por isso. Deixe ela ficar até que os seus pulmões já não consigam mais e precise de voltar à superfície, o seu ambiente natural. Um dia ela vai povoar os mares de todos os continentes. Veja como ela se desloca. Vire a sua cara para a luz à medida que ela se vai embora

vai embora

vai embora

 

Traduzido por Ivo Eduardo Correia de Granta Magazine 

Este é um projeto de tempos livres. Sou um leigo nas lides da tradução, não tenho experiência nem Licenciatura nesta área. Gosto de desafios e de melhorar os meus conhecimentos linguísticos e literários. Sejam compreensivos!

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