A desvantagem dos conselhos
- Público - Edição Lisboa
- Miguel Esteves Cardoso
O ainda jovem doutor Hipólito está a dar conselhos aos filhos, recomendando o curso que ele próprio tirou, com brilho e, diz ele, algum prazer. Quantos de nós não estiveram — ou não estarão prestes a estar — na mesma posição? É mais um capítulo no já descomunal calhamaço sobre as razões que levam as pessoas a não seguir os conselhos que lhes dão.
O problema, parece-me, não está nos conselhos que se dão, que até podem ser bons. O problema está no dador. Neste caso, no ainda jovem doutor Hipólito, ex-furor da Católica, actualmente a gerir destinos na Caixa. Quando dá conselhos à filha e ao filho — todos bons, porque já os ouvi (e dei!) várias vezes —, aquilo que eles ouvem não são os conselhos em si, mas o seguinte: “Se um dia quiserem ser como eu, façam assim...”
O problema é que eles não querem ser como o pai. Aliás, de uma forma bastante vaga, pode-se dizer que querem ser tudo menos o pai.
O pai, convém lembrar, está sempre a queixar-se. A frase preferida do ainda jovem doutor Hipólito, que faz de letra para a música do suspiro profundo que a acompanha, é: “Só eu é que sei...”
Não é só o ainda jovem doutor Hipólito. Todos os conselhos padecem deste mal. E não são só os conselhos: são os programas e os planos de educação. Têm todos este defeito: eis o que as criancinhas devem estudar se um dia quiserem ser como as pessoas que fizeram o plano de estudos.
E eis o que os adultos devem fazer, no caso de quererem arrepiar caminho, para se tornarem cidadãos parecidos com quem se preocupa tanto como eles. Os receptores de conselhos podem não saber nada — nem sequer o que querem —, mas há pelo menos uma coisa que sabem perfeitamente que não querem, com toda a força anímica que Deus lhes deu: não querem tornar-se na pessoa que lhes está a dar conselhos.
E a maneira mais segura de ficarem iguaizinhas ao ainda jovem doutor Hipólito?
É fazendo o que ele diz para fazer. E a única forma de escapar é não seguir os conselhos que dá.
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