sexta-feira, 25 de julho de 2025

Como Perder Amigos Rapidamente - Os Perigos da Percepção (Zigurate, 2025)

 

As nossas percepções estão quase sempre erradas

Os erros de percepção podem ter consequências graves para a nossa vida em sociedade. Um exemplo paradigmático foi o referendo do “Brexit”, em 2016, que levou à saída do Reino Unido da União Europeia

DRPintura de Salvador Dalí, O Olho, de 1945



A maioria de nós tem uma resposta na ponta da língua para quase qualquer pergunta sobre o mundo — ou sobre o país em que vive — acerca de temas como pobreza, rendimentos, segurança, desemprego, imigração, entre outros. Para todos estes assuntos estão disponíveis dados oficiais e trabalhos de investigação científica, mas, em geral, não os consultamos antes de nos pronunciarmos sobre eles — ficamos satisfeitos em ter “só uma ideia”. Só que essa ideia, muitas vezes, está errada — devido a preconceitos, enviesamentos, desinformação e falhas na forma como pensamos, como irei contar neste ensaio, que faz parte da série Como Perder Amigos Rapidamente.

Em média, quantos parceiros sexuais pensam que pessoas com idades entre os 45 e os 54 anos tiveram? Esta questão é discutida no livro Os Perigos da Percepção (Zigurate, 2025), da autoria do investigador social britânico Bobby Duffy. As estimativas para o número de parceiros dos homens não andam longe da realidade — entre 16 e 19, considerando dados dos EUA, Reino Unido e Austrália.

O caso torna-se desconcertante quando se pede aos homens para estimarem o número médio de parceiros das mulheres. Nos EUA, aqueles estimam que estas têm 27, quando elas dizem ter apenas 12. Um número não negligenciável de inquiridos alvitrou mesmo números superiores a 50, revelando uma imagem muito distorcida da sexualidade feminina.

Outro facto curioso é que os números de parceiros declarados por homens e mulheres são incompatíveis, uma vez que o das mulheres é significativamente inferior — tal sugere que ambos os sexos mentem, embora em sentidos opostos.

Os erros de percepção não se limitam ao domínio da sexualidade. Inquéritos realizados pelo Instituto Ipsos, que Bobby Duffy dirigiu, revelam outros desvios impressionantes. Numa média de 37 países, 20% das pessoas consideram que as vacinas causam autismo em crianças saudáveis — uma crença sem qualquer fundamento. Na maioria dos países, as populações sobrestimam de forma significativa a percentagem de imigrantes e de muçulmanos residentes.

Para Bobby Duffy, estes erros resultam de duas grandes causas: a desinformação a que estamos expostos e as limitações do nosso modo de pensar.

O psicólogo israelita e norte-americano Daniel Kahneman, prémio Nobel da Economia em 2002, propôs uma teoria influente sobre o funcionamento da mente humana, assente em dois sistemas de pensamento.

O sistema 1 é um tipo de pensamento rápido, inconsciente e contínuo. Baseia-se em intuições, associações, emoções e experiências passadas, permitindo-nos reacções rápidas, essenciais para a sobrevivência. Ele é muito útil para reconhecer rostos ou evitar ser atropelado. No entanto, este sistema recorre a atalhos mentais que podem distorcer o raciocínio lógico.

Por outro lado, o sistema 2 é esforçado e consciente, pelo que requer tempo e concentração. Permite-nos resolver problemas matemáticos complexos ou efectuar planeamentos sofisticados, sendo capaz de corrigir os erros do primeiro. Como é lento e cansativo, o nosso tipo de pensamento dominante é o sistema 1. Usamos uma imagem dramática na televisão que prende a nossa atenção para formar as nossas impressões rápidas. Já a análise de dados estatísticos é custosa e demorada.

Também o médico sueco Hans Rosling, autor do livro Factfulness (Temas e Debates, 2019), se debruçou sobre as nossas percepções. Rosling argumenta que o mundo melhorou enormemente em quase todos os indicadores de desenvolvimento humano, mas que muitas pessoas instruídas têm percepções sistematicamente mais pessimistas… E erradas. Ele e a sua equipa da Fundação Gapminder desenvolveram inquéritos com questões objectivas sobre dados reais.

Por exemplo: “Quantas meninas nos países de baixos rendimentos completam a escola primária?” Apresentam-se três opções de resposta: 20%, 40% e 60%. A resposta correcta é 60%, mas, em média, apenas 7% das pessoas a escolhem, segundo dados recolhidos em vários países. Se pedíssemos a um grupo de chimpanzés para seleccionar aleatoriamente uma resposta, eles acertariam cerca de 33% das vezes. Porque é que os humanos acertam menos do que os chimpanzés? Por causa de preconceitos, formados a partir de imagens e notícias negativas que nos marcam emocionalmente.

Outro factor que distorce a nossa percepção da realidade é o enviesamento. O psicólogo e cientista político norte-americano Philip E. Tetlock, autor do livro Superprevisões (Gradiva, 2016), realizou extensas investigações nesta área. Os seus estudos mostraram que os especialistas com posições ideológicas rígidas — sejam de esquerda ou de direita — têm um desempenho inferior a fazer previsões quando comparados com pessoas mais moderadas ou cognitivamente flexíveis. Um dos motivos é o chamado raciocínio motivado: a tendência para interpretar os factos à luz do que gostaríamos que fosse verdade, e não daquilo que os dados reais simplesmente indicam.

Os erros de percepção podem ter consequências graves para a nossa vida em sociedade. Um exemplo paradigmático foi o referendo do “Brexit”, em 2016, que levou à saída do Reino Unido da União Europeia (UE). O resultado foi influenciado por diversas ideias erradas, como o exagero amplamente divulgado sobre o valor das contribuições britânicas para a UE. Infelizmente, não se trata de um caso isolado. Continuamos a formar opiniões com base em intuições falíveis — e isso não só nos afasta da realidade como também pode moldar decisões colectivas com resultados nefastos.

David Marçal - Bioquímico e divulgador de ciência

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