O Absurdo da Existência e a Vontade de Sentido: Uma Reflexão Existencialista a Partir de Hamlet
“Ser ou não ser, eis a questão:
Será mais nobre sofrer na alma
Pedradas e dardos de fortuna ultrajante,
E, combatendo-o, dar-lhe fim?”
(Hamlet, Ato III, Cena I – William Shakespeare)
Poucas interrogações na literatura ressoam com tanta força no âmago da experiência humana quanto o célebre dilema hamletiano. Ser ou não ser – essa pergunta transcende a esfera da mera existência biológica e adentra os domínios mais profundos da condição humana: o ser como fardo e a consciência como abismo.
Para Hamlet, a existência é um combate contínuo contra o absurdo da vida, onde as dores da fortuna ultrajante se impõem como um martírio inevitável. O príncipe dinamarquês, dilacerado pelo peso da própria consciência, não apenas questiona se deve seguir vivendo, mas interroga o próprio sentido de existir. Seu monólogo é um convite para refletirmos sobre a incerteza, a angústia e a busca pela razão de ser – temas que mais tarde encontrariam eco no pensamento existencialista.
A Consciência como Maldição e a Angústia do Ser
Em Hamlet, o ato de pensar se converte em maldição. Aquele que se dá ao luxo de refletir sobre sua própria existência encontra-se condenado a um estado de hesitação perpétua, onde a ação se torna impossível diante da dúvida. Isso nos remete à condição descrita por Kierkegaard, para quem a consciência do ser é também a consciência da angústia, pois quanto mais o indivíduo compreende a liberdade de sua existência, mais se vê paralisado diante das infinitas possibilidades e do peso da escolha.
O homem, ao contrário dos demais seres, não está simplesmente lançado no mundo – ele sabe que está. E esse saber, essa hiperconsciência da existência, não conduz necessariamente à libertação, mas muitas vezes ao tormento. Para Sartre, a existência precede a essência, e o homem, desprovido de um sentido intrínseco, está condenado a construí-lo – um fardo tão grandioso quanto insuportável. Hamlet, por sua vez, diante da dor do mundo e da falência dos ideais, hesita: vale a pena seguir? Existe algum significado além do sofrimento?
A Revolta Contra o Absurdo e a Negação do Nada
Se Hamlet nos coloca diante da encruzilhada entre o ser e o nada, entre suportar ou insurgir-se contra o sofrimento, Albert Camus nos oferece uma terceira via: a revolta contra o absurdo. Para Camus, a vida não possui um sentido pré-determinado, mas isso não significa que devamos sucumbir à desesperança. Pelo contrário, o verdadeiro ato de coragem reside em abraçar a própria existência, mesmo diante do caos e da ausência de respostas definitivas.
Assim como Sísifo, condenado a rolar eternamente sua pedra montanha acima, Hamlet está preso a seu dilema existencial. No entanto, enquanto o primeiro encontra no próprio ato de carregar sua cruz uma forma de ressignificação, Hamlet permanece no limbo da hesitação, incapaz de decidir se deve agir ou abdicar da luta. O que ele teme não é apenas o sofrimento da existência, mas o mistério do que vem depois – o desconhecido que se oculta além da morte, “o país inexplorado de cujos confins nenhum viajante retorna”.
Conclusão: A Necessidade da Escolha
Se há algo que a literatura e a filosofia existencialista nos ensinam, é que não há escapatória da condição humana. Ser ou não ser não é apenas uma pergunta; é o dilema fundamental da vida consciente. Diante do absurdo, podemos escolher a hesitação, a entrega ao niilismo ou a afirmação radical da existência. A escolha, no entanto, sempre será nossa – e talvez seja exatamente essa liberdade aterradora que nos define como humanos.
Se Hamlet representa o homem que hesita, resta a nós decidir: suportaremos as flechas da fortuna ultrajante ou pegaremos em armas contra o mar de angústias? O sentido que buscamos não está nas respostas definitivas, mas no próprio ato de perguntar – e, mais ainda, na coragem de continuar apesar da ausência delas.
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