Crónica da Eternidade Que Não Era
É curioso como o cotidiano nos mente com tanta ternura. O sol nasce com a mesma luz, os pardais repetem sua coreografia matinal, o porteiro sorri o mesmo sorriso das sete e meia, e então nos enganamos. Achamos que isso é eternidade. Mas não é. É apenas o mundo nos dando um falso alento.
A eternidade de que falo não é a dos deuses, tampouco a dos filósofos com suas elucubrações celestiais. É a eternidade pequena, doméstica, que mora na rotina. É a eternidade que supomos quando dizemos “até amanhã”, acreditando piamente que haverá um amanhã. É essa confiança quase infantil que temos nas repetições da vida.
Mas o tempo, esse velho malandro, passa com uma delicadeza traiçoeira. Ele não grita, não arrasta correntes, não quebra portas. Ele apenas vai. E quando notamos, já não somos os mesmos, nem nós, nem o mundo. A cadeira do avô continua ali, mas o avô já não. A música que embalava as tardes agora dói em silêncio. E aquela amiga que ria como quem espantava o mal do mundo, agora se calou de um jeito definitivo.
O filósofo Heráclito, num desses rompantes de sabedoria que só os gregos antigos sabiam ter, disse que ninguém se banha duas vezes no mesmo rio. A água corre, o corpo muda, o tempo não para. E mesmo assim, insistimos em guardar a ilusão de que o rio está sempre ali, à disposição da nossa vontade.
A falsa sensação de eternidade é um consolo, talvez, um artifício que o coração inventou para suportar a brevidade das coisas. Se soubéssemos, ao levantar da cama, que aquele seria o último café ao lado de quem amamos, talvez nem suportássemos beber. Então fingimos que há tempo, que sempre haverá.
Mas não há. E é isso que torna tudo tão bonito e tão triste. A flor desabrocha sabendo que morrerá. O instante nos abraça só porque sabe que vai embora. O amor é belo justamente porque não dura, ou porque dura, quando dura, contra todas as probabilidades.
Talvez viver seja isso, esse constante equívoco diante da eternidade. E, no fundo, ainda bem. Porque se vivêssemos com plena consciência da fugacidade de tudo, talvez não conseguíssemos rir tão de verdade, nem amar tão displicentemente. É preciso, sim, um pouco de ilusão para viver, um pouco de mentira para que a verdade da vida não nos destrua.
Então seguimos, tolos e ternos, apostando em promessas de sempre, fazendo planos para os fins de semana, marcando cafés que nem sempre virão. E nessa dança meio cega com o tempo, vamos escrevendo nossa história breve, mas cheia de significados. Porque, afinal, talvez a eternidade não exista mesmo, mas o instante, ah, o instante pode ser eterno, se a gente souber senti-lo como quem sabe perder.
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