domingo, 2 de março de 2025

Queima de livros - século XXI ? in O Público edição de 02-03-25

 

Vão ser queimados livros de novo?

Há uma longa história de censura de livros que recrudesce ciclicamente. Nos EUA, no meio de várias outras ignomínias, regressou em força. Nesta semana, o The Guardian noticiou que, na sequência da ordem executiva de Trump relativa à igualdade de género, se iniciou, nas escolas para filhos de militares geridas pelo Pentágono (são 160, com 70 mil alunos), um processo de verificação dos conteúdos de livros, cujo acesso ficou, entretanto, suspenso.

Esta purga literária tem um propósito: restringir o acesso a livros que deem voz à diferença. Entre os títulos banidos, encontra-se uma autobiografia ilustrada dedicada a um público infantil da atriz Julianne Moore, que celebra uma ruiva que cresceu com sardas, tornando-as parte de uma identidade positiva; um outro volume, também infantil, sobre a vida de Ruth Bader Ginsberg, a segunda magistrada a fazer parte do Supremo e uma defensora da igualdade; e vários livros de história, designadamente sobre as lutas pela emancipação dos afroamericanos. Sintomaticamente, os eventos dedicados ao Black History Month, que decorre neste mês, foram também suspensos. Como sempre acontece nestes exercícios de cancelamento, o ridículo está sempre à espreita e a autobiografia de J. D. Vance também foi parar à lista – afinal, trata um tema identitário, os habitantes dos Apalaches.

Infelizmente, não se vislumbra nenhuma comicidade em mais este episódio da América em ruínas. Já no final do ano, o PEN-America avisava que “os livros estão sob ameaça na América” e reportava mais de dez mil casos de censura só no ano letivo 2023-24, em 29 estados – num ranking em que se destacava a Florida, seguida do Iowa.

Paradoxalmente, enquanto uma coligação grotesca se alcandorou ao poder arvorando-se grande defensora da liberdade de expressão, todos os dias assistimos a episódios de restrição das liberdades, aproximando a realidade da ficção distópica.

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