Certa vez, a banda Pink Floyd, com a lucidez quase mística que apenas os poetas do abismo alcançam, escreveu: “Somos apenas almas penadas, nadando em um aquário, ano após ano, correndo sobre o mesmo velho chão. E o que nós encontramos? Os mesmos velhos medos.” Há, nessa imagem pungente, uma denúncia ontológica do cárcere invisível onde se debatem as almas humanas. O aquário, metáfora translúcida da prisão moderna, é espaço de contenção sem grades, onde se move, com liberdade aparente, um ser que jamais tocará o oceano.
Essa cena simbólica concentra, com brutal delicadeza, a experiência da existência enclausurada no tempo, repetitiva em sua estrutura, e trágica em sua consciência. O homem moderno, exilado de todo sentido transcendente, convertido em um fragmento consciente de sua própria inutilidade cósmica, nada como um espectro em águas previsíveis. Ele repete gestos, repete rotas, repete afetos, e tudo isso sob o olhar mudo de uma realidade que o cerca como vidro, mas que ele não ousa romper.
Corremos, como diz a letra, sobre o mesmo velho chão, chão do trabalho alienado, dos desejos fabricados, das verdades pasteurizadas. E ao fim da corrida, quando o fôlego escapa e a alma estilhaça, o que nos espera? Os mesmos medos de sempre, medo da morte, medo do abandono, medo de sermos quem somos, medo do silêncio entre uma palavra e outra, medo do espelho.
A angústia que emana dessa percepção não é patológica, mas estrutural. Como diria Kierkegaard, o homem é um paradoxo ambulante, um entrelaçamento de finitude e infinitude que, ao tomar consciência de si, treme. Mas o que Pink Floyd nos oferece não é apenas a angústia do ser, é também a denúncia da repetição, esse “eterno retorno do mesmo”, que Nietzsche via como a mais cruel provação para o espírito livre.
O aquário, então, é também o espetáculo do mundo. E nós, figuras pálidas do drama existencial, nos iludimos com cada volta como se fosse a primeira, como se houvesse alguma novidade no tédio, algum frescor na rotina. A cada ciclo, no entanto, voltamos ao ponto de partida, e descobrimos que a partida nunca foi real, porque jamais saímos de nós mesmos.
Eis o maior dos temores, que a liberdade seja ilusão, que o tempo seja um labirinto circular, que a alma, ao invés de destino, seja apenas eco.
Essa reflexão, evocada por um simples verso de uma canção, nos obriga a perguntar, existe alguma forma de escapar do aquário? Seria a arte, a filosofia, ou o amor, o gesto de nadar contra o vidro até fazê-lo estilhaçar? Ou estaremos eternamente condenados a essa coreografia da repetição, onde cada passo nos devolve ao mesmo chão, e cada esperança reencontra os mesmos medos?
Talvez o primeiro gesto de libertação seja esse, reconhecer que o aquário existe, e que a água que nos sustenta, também nos prende.
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