O destino não se rege pelos
astros
The Stars are blind – Paris Hilton
Anna Dorn
Há alguns anos atrás, quando estive temporariamente desempregada,
comecei a fazer leituras astrológicas para ganhar algum dinheiro. A ideia de
passar a cobrar pelo meu passatempo surgiu no aeroporto de Las Vegas, durante
uma escala, enquanto bebia uma cerveja num espaço em homenagem a Dolly Parton
com slot machines. Estando rodeada de pessoas que ganham bom dinheiro sem fazer
absolutamente nada, inspirou-me a transformar as minhas preocupações em lucros.
Na verdade, nunca estudei astrologia a sério, no entanto, estive online muitas
vezes, e a viver em Los Angeles, o que significava que sabia o suficiente.
Fui arrastada pela primeira vez para a astrologia durante uma conversa
sobre o tema. Geralmente não gosto de conversas de circunstância, acho-as
entediantes. Na verdade, não me interessa saber o período de jejum intermitente
de alguém ou como o Orange Wine mudou a sua vida. Gosto que a astrologia não
seja conversa da treta, ou, talvez seja uma forma mais interessante de conversa
da treta. Quero saber se alguém tem problemas de controle ou é propenso à
histeria.
Gosto também que a astrologia transcenda a classe, o género e a
sexualidade. Todos nós temos uma data de nascimento e um mapa astral. Enquanto
alguns signos são mais demonizados (Escorpião e Gémeos) do que outros (Touro e
Peixes), todas as características revelam boas ou más qualidades, e não têm
nada a ver com o sítio onde crescemos, a matiz da nossa pele, a expressão de
género ou o prestígio das nossas profissões. Foi assim que justifiquei a minha
crescente obsessão. Usamos o Sol para indicar o tempo, sabemos que a Lua é
responsável pelas marés, por isso não é escandaloso pensar que a posição dos
planetas na altura em que nascemos influencie a nossa personalidade. Ou, talvez
seja. Não sou cientista. Sou romancista. Ganho a vida a inventar coisas.
Há uma forma de fazer leituras astrais que aprecio. Francamente,
lembra-me o breve período de tempo em que exerci advocacia. Suspeito que de
advogada a astróloga seja uma trajetória de carreira invulgar, mas oiçam-me com
atenção: Em ambas as profissões, deram-me uma série de regras a seguir (lei,
estatutos, jurisprudência) e, como obrigação, argumentar de uma forma coerente.
Quando uma amiga me pediu para elaborar a compatibilidade astrológica de cada
membro da sua festa de despedida de solteira, senti que estava novamente a
fazer o exame de admissão à Faculdade de Direito. Em geral, os signos da água e
da terra dão-se bem; enquanto que os signos do ar são mais compatíveis com os
signos do fogo. Mas, eu tinha de ter em conta não apenas o signo Sol (a nossa
alma), mas também a Lua (as nossas emoções), Vénus (o amor), Mercúrio (a
comunicação) e Marte (o sexo). Elaborei uma folha de cálculo extensa onde
guardo todos os dados e verifico quem é o par perfeito de quem. Provavelmente,
não precisava de levar isto tão a sério, mas sou quem sou. Para uma Virginiana
o objetivo é sempre a perfeição.
Durante muitos anos tive vergonha de ser do signo Virgem. Não é
propriamente um signo popular. Somos conhecidos por sermos estudiosas, tímidas
e obcecadas pela limpeza. Claro que sou todas essas coisas, e não são as minhas
características favoritas. Mas, descobri que a Beyoncé é Virgem, e comecei a me
sentir um pouco melhor. A Beyoncé não é uma totó; ela é uma superestrela. É
reservada com a imprensa, o que é admirável, e as suas compulsões obsessivas
manifestam-se através de uma exigente dedicação à sua arte, nos discos de platina,
e em centenas de milhões de dólares. Nada me fez sentir mais Virginiana do que
o documentário concerto “Homecoming”, no qual cada minuto é programado
ao detalhe de uma forma agoniante, e no qual a Bey controla tudo, desde os
fatos usados pelas dançarinas, à disposição do palco, e durante o qual ela está
sempre a se autocriticar pelo fracasso que é não atingir a perfeição, o que,
claro, é impossível – o dilema máximo do Virginiano.
Como os Virginianos preferem o controle à espontaneidade, sempre tive
mais facilidade em me exprimir através da escrita do que da oralidade. Como
advogada, exercitei mais os recursos do que os julgamentos, porque os recursos
são mais lentos, e, na maioria das vezes são escritos. Escolhi fazer as minhas
leituras astrais por escrito também, em vez de usar a plataforma digital Zoom
ou de uma forma presencial. Adoro fazer leituras astrológicas às minhas
conhecidas, porque, depois, posso adicionar algumas piadas. Se elas têm uma Lua
em Carneiro, escreveria: “isto explica porque é que trata todas as conversas
como um interrogatório”. Se elas tiverem uma quantidade de planetas em
Capricórnio, eu diria: “isto é porque você passa todo o seu tempo na Soho House
trabalhando em rede (networking).
Nem sempre fui mázinha. Adorava dizer às pessoas quem elas eram de modo
a que elas se rissem, mas, também que se sentissem orgulhosas. O mais giro
acerca da astrologia é que há suficiente espaço de manobra em cada descrição
planetária para elaborar um qualquer relatório. (Muito parecido à forma vaga
como as leis são escritas e interpretadas, o que representa possibilidades e
resultados infinitos). Imaginemos que alguém é Sagitário. Se gostasse dessa
pessoa e quisesse que se sentisse bem consigo própria, diria: “você é um
filosofo positivo, um intelectual otimista, curioso e divertido, o companheiro
ideal de viagem e o convidado de uma festa”. Se alguém tivesse um ex Sagitário
que quisesse que eu dissesse o piorio dele / dela diria: “os Sagitarianos são
indelicados e foleiros, com vibrações do tipo feliz por estar aqui, com
uma energia insuportável, provavelmente um viciado em sexo – e não do tipo
divertido”.
A astrologia tornou-se um modo de organizar o meu universo, fazendo, por
sua vez, com que ele fosse menos assustador. Como muitos Virginianos, sou
bastante ansiosa. Sempre fui. Algumas vezes mais do que outras. Em Los Angeles,
onde vivo, é mais do que seco, é um sítio fantástico para os lagartos, mas não
acolhedor para os humanos. Durante um período particularmente mau, o ano
passado, fiquei convencida que LA me estava a matar. O meu apartamento é mesmo
ao lado da autoestrada e, tinha a certeza que ao inalar os fumos dos carros
24/7 levar-me-ia a uma morte prematura. Se não morresse envenenada com dióxido
de carbono, morreria na autoestrada, onde as pessoas conduzem como loucas, e, é
necessária uma confiança imprudente. Ou um carro se enfaixaria no meu, ou iria
perder a consciência ao volante devido ao pânico e chocar contra o separador
central.
Informei o meu terapeuta destes problemas, a suspeita que deveria deixar
L.A., e viver em qualquer outro sítio mais calmo, verde, húmido e menos
povoado. Ela falou-me da Cartografia Astral, mapas que indicam onde é
que as influências astrológicas mostram oportunidades de crescimento ou
desvantagens (Deus abençoe esta terapeuta Californiana fantástica.) Logo depois
da sessão, introduzi a hora do meu nascimento numa website. Assim que percebi
como é que se lê o mapa, aprendi que a minha linha de Júpiter passava mesmo no
centro de Los Angeles. Júpiter representa prosperidade, boa sorte e milagres. Basicamente,
sou abençoada aqui. Ao saber disto a minha ansiedade melhorou imenso. Sempre
que sentia aquela fatalidade crescente na 405, lembrava-me que Júpiter me
protegia. Se o quinto planeta desde o Sol estava ou não, na verdade, a me
proteger era irrelevante.
Todavia, a certo ponto, o meu interesse pela astrologia parecia que ia do
“divertido” até ao “talvez um pouco doentio”. Em festas só
conversava sobre isso. Se não soubesse o signo de alguém, passava-me um pouco
dos carretos, começava uma perseguição implacável para descobri-lo, e fazia
perguntas do género, “oh, você disse que gosta da primavera, então faz anos
nessa altura?” Costumava adivinhar os signos de estranhos, personagens de
ficção, lugares, e até mesmo objetos inanimados. O meu quarto era Caranguejo,
confortável e acolhedor como um útero. A palmeira que via da minha janela era
Leão, alta e orgulhosa, iluminando o meu dia. O meu iPhone era Gémeos, chato,
mas viciante.
Comecei por pensar muito sobre como os meus posicionamentos se
relacionavam. O meu Sol em Virgem diria frequentemente ao meu ascendente Leão para
me calar e pôr o soutien. O meu ascendente Leão responderia, arranja uma
personalidade, perdedor. A minha Lua em Aquário interromperia, oh, bebés
pomposos, o eu não existe. E o Mercúrio em Balança diria, vocês são
todos muito sérios, conta lá o mexerico! O meu Vénus em Escorpião iria assustar
calando todos com a afirmação, TUDO É TÃO SÉRIO COMO A MORTE. Dei por
mim a usar a astrologia para me desligar do presente, das emoções, da
intimidade. Costumava depreciar signos inteiros (tosse: Taurinos), meio a
brincar, mas nem por isso, enquanto romantizava outros (tosse: Gémeos). Embora
a astrologia tenha começado como um modo divertido de me aproximar dos outros,
e encorajar-me, tornou-se posteriormente uma forma de julgar, criticar e
isolar-me.
A minha amiga adora me relembrar quando, enquanto víamos uma perseguição
a alta velocidade na autoestrada de Los Angeles, eu gritava “Aquário”. Tudo o
que conseguia ver, enquanto este acontecimento decorria, legitimamente
perigoso, era um signo do zodíaco. A astrologia lembra-me o efeito anestesiante
do Pinterest, o modo como os nossos olhos vitrificam enquanto categorizamos
imagens. O mundo já não é mais assustador e aleatório, mas finito e ordenado.
Se tem um problema com alguém, não é porque ambos fizeram algo errado, ou
porque as vossas vibrações estão misteriosamente incompatibilizadas. É porque
são do signo Touro. Ninguém morre sem motivo. Os Aquarianos apenas
ocasionalmente tornam-se imprudentes na autoestrada. Simples. Sem mistério.
Ninguém tem culpa.
Sempre que sinto que vem aí uma obsessão negativa, algo me impele a
começar a escrever sobre isso. Quando não conseguia parar de pensar sobre todos
os meios em que a lei é fútil e negligente, canalizava essas meditações para o
meu livro, Um Mau Advogado. A obsessão não é uma grande qualidade na
minha vida pessoal – consegue com que seja uma pessoa chata para todos os que
estão à minha volta – mas é uma excelente ferramenta para criar palavras numa
página. Neste caso, comecei a escrever Exaltada, um romance escrito sob
a perspetiva de uma astróloga cínica da Internet. A protagonista, Emily Forrest
é parcialmente inspirada na criadora de memes astrológicos que sublocava o
apartamento da minha amiga durante este período, uma ganzada solitária que não
acreditava em astrologia, mas que descobriu que os memes sobre astrologia eram
mais fáceis de fazer. Ao explorar a relação da Emily com a astrologia tornei-me
mais sintonizada na minha relação com ela. A forma como alimentou as chamas dos
meus piores hábitos. Da mesma forma que a advocacia me encorajou a ser
mesquinha e argumentativa, a astrologia tornou-me ainda mais judiciosa e
isolada do que o habitual. Mais para o final de Exaltada, A Emily contrata
um hipnotizador para fazê-la para de pensar em astrologia. Não resulta. Não
creio que a minha tentativa de exorcizar a minha obsessão pela astrologia tenha
resultado também. Ao mesmo tempo que escrevo frases para este ensaio, troco
mensagem com a minha amiga e escritora Grace Perry sobre a nossa teoria de que todos
os maiores génios nasceram na Cúspide de Peixes e Aquário (Rihanna, Sally
Rooney, Kurt Cobain …). Será que a astrologia é a minha amante tóxica que
simplesmente não consigo abandonar? Ou será que estou apenas a dar mais
importância ao mal do que ao bem, da forma como os humanos estão conectados para
o fazer?
Não tenciono descartar a astrologia ou a importância que ela tem na vida
dos outros, e na minha, em alguns momentos. Sei que ela dá a muita gente,
força, uma religião milenar numa sociedade ateia. Talvez um dia consiga ter com
ela uma relação mais descontraída. Mas, entretanto, mantenho o antigo lema da
socialite Paris Hilton: “The stars are blind.” – “O destino não se rege pelos
astros.”
…
traduzido por Ivo Eduardo Correia
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