segunda-feira, 25 de julho de 2022

 

O destino não se rege pelos astros

The Stars are blind – Paris Hilton

Anna Dorn

  Há alguns anos atrás, quando estive temporariamente desempregada, comecei a fazer leituras astrológicas para ganhar algum dinheiro. A ideia de passar a cobrar pelo meu passatempo surgiu no aeroporto de Las Vegas, durante uma escala, enquanto bebia uma cerveja num espaço em homenagem a Dolly Parton com slot machines. Estando rodeada de pessoas que ganham bom dinheiro sem fazer absolutamente nada, inspirou-me a transformar as minhas preocupações em lucros. Na verdade, nunca estudei astrologia a sério, no entanto, estive online muitas vezes, e a viver em Los Angeles, o que significava que sabia o suficiente.

  Fui arrastada pela primeira vez para a astrologia durante uma conversa sobre o tema. Geralmente não gosto de conversas de circunstância, acho-as entediantes. Na verdade, não me interessa saber o período de jejum intermitente de alguém ou como o Orange Wine mudou a sua vida. Gosto que a astrologia não seja conversa da treta, ou, talvez seja uma forma mais interessante de conversa da treta. Quero saber se alguém tem problemas de controle ou é propenso à histeria.

  Gosto também que a astrologia transcenda a classe, o género e a sexualidade. Todos nós temos uma data de nascimento e um mapa astral. Enquanto alguns signos são mais demonizados (Escorpião e Gémeos) do que outros (Touro e Peixes), todas as características revelam boas ou más qualidades, e não têm nada a ver com o sítio onde crescemos, a matiz da nossa pele, a expressão de género ou o prestígio das nossas profissões. Foi assim que justifiquei a minha crescente obsessão. Usamos o Sol para indicar o tempo, sabemos que a Lua é responsável pelas marés, por isso não é escandaloso pensar que a posição dos planetas na altura em que nascemos influencie a nossa personalidade. Ou, talvez seja. Não sou cientista. Sou romancista. Ganho a vida a inventar coisas.

  Há uma forma de fazer leituras astrais que aprecio. Francamente, lembra-me o breve período de tempo em que exerci advocacia. Suspeito que de advogada a astróloga seja uma trajetória de carreira invulgar, mas oiçam-me com atenção: Em ambas as profissões, deram-me uma série de regras a seguir (lei, estatutos, jurisprudência) e, como obrigação, argumentar de uma forma coerente. Quando uma amiga me pediu para elaborar a compatibilidade astrológica de cada membro da sua festa de despedida de solteira, senti que estava novamente a fazer o exame de admissão à Faculdade de Direito. Em geral, os signos da água e da terra dão-se bem; enquanto que os signos do ar são mais compatíveis com os signos do fogo. Mas, eu tinha de ter em conta não apenas o signo Sol (a nossa alma), mas também a Lua (as nossas emoções), Vénus (o amor), Mercúrio (a comunicação) e Marte (o sexo). Elaborei uma folha de cálculo extensa onde guardo todos os dados e verifico quem é o par perfeito de quem. Provavelmente, não precisava de levar isto tão a sério, mas sou quem sou. Para uma Virginiana o objetivo é sempre a perfeição.

  Durante muitos anos tive vergonha de ser do signo Virgem. Não é propriamente um signo popular. Somos conhecidos por sermos estudiosas, tímidas e obcecadas pela limpeza. Claro que sou todas essas coisas, e não são as minhas características favoritas. Mas, descobri que a Beyoncé é Virgem, e comecei a me sentir um pouco melhor. A Beyoncé não é uma totó; ela é uma superestrela. É reservada com a imprensa, o que é admirável, e as suas compulsões obsessivas manifestam-se através de uma exigente dedicação à sua arte, nos discos de platina, e em centenas de milhões de dólares. Nada me fez sentir mais Virginiana do que o documentário concerto “Homecoming”, no qual cada minuto é programado ao detalhe de uma forma agoniante, e no qual a Bey controla tudo, desde os fatos usados pelas dançarinas, à disposição do palco, e durante o qual ela está sempre a se autocriticar pelo fracasso que é não atingir a perfeição, o que, claro, é impossível – o dilema máximo do Virginiano.

  Como os Virginianos preferem o controle à espontaneidade, sempre tive mais facilidade em me exprimir através da escrita do que da oralidade. Como advogada, exercitei mais os recursos do que os julgamentos, porque os recursos são mais lentos, e, na maioria das vezes são escritos. Escolhi fazer as minhas leituras astrais por escrito também, em vez de usar a plataforma digital Zoom ou de uma forma presencial. Adoro fazer leituras astrológicas às minhas conhecidas, porque, depois, posso adicionar algumas piadas. Se elas têm uma Lua em Carneiro, escreveria: “isto explica porque é que trata todas as conversas como um interrogatório”. Se elas tiverem uma quantidade de planetas em Capricórnio, eu diria: “isto é porque você passa todo o seu tempo na Soho House trabalhando em rede (networking).

  Nem sempre fui mázinha. Adorava dizer às pessoas quem elas eram de modo a que elas se rissem, mas, também que se sentissem orgulhosas. O mais giro acerca da astrologia é que há suficiente espaço de manobra em cada descrição planetária para elaborar um qualquer relatório. (Muito parecido à forma vaga como as leis são escritas e interpretadas, o que representa possibilidades e resultados infinitos). Imaginemos que alguém é Sagitário. Se gostasse dessa pessoa e quisesse que se sentisse bem consigo própria, diria: “você é um filosofo positivo, um intelectual otimista, curioso e divertido, o companheiro ideal de viagem e o convidado de uma festa”. Se alguém tivesse um ex Sagitário que quisesse que eu dissesse o piorio dele / dela diria: “os Sagitarianos são indelicados e foleiros, com vibrações do tipo feliz por estar aqui, com uma energia insuportável, provavelmente um viciado em sexo – e não do tipo divertido”.

  A astrologia tornou-se um modo de organizar o meu universo, fazendo, por sua vez, com que ele fosse menos assustador. Como muitos Virginianos, sou bastante ansiosa. Sempre fui. Algumas vezes mais do que outras. Em Los Angeles, onde vivo, é mais do que seco, é um sítio fantástico para os lagartos, mas não acolhedor para os humanos. Durante um período particularmente mau, o ano passado, fiquei convencida que LA me estava a matar. O meu apartamento é mesmo ao lado da autoestrada e, tinha a certeza que ao inalar os fumos dos carros 24/7 levar-me-ia a uma morte prematura. Se não morresse envenenada com dióxido de carbono, morreria na autoestrada, onde as pessoas conduzem como loucas, e, é necessária uma confiança imprudente. Ou um carro se enfaixaria no meu, ou iria perder a consciência ao volante devido ao pânico e chocar contra o separador central.

  Informei o meu terapeuta destes problemas, a suspeita que deveria deixar L.A., e viver em qualquer outro sítio mais calmo, verde, húmido e menos povoado. Ela falou-me da Cartografia Astral, mapas que indicam onde é que as influências astrológicas mostram oportunidades de crescimento ou desvantagens (Deus abençoe esta terapeuta Californiana fantástica.) Logo depois da sessão, introduzi a hora do meu nascimento numa website. Assim que percebi como é que se lê o mapa, aprendi que a minha linha de Júpiter passava mesmo no centro de Los Angeles. Júpiter representa prosperidade, boa sorte e milagres. Basicamente, sou abençoada aqui. Ao saber disto a minha ansiedade melhorou imenso. Sempre que sentia aquela fatalidade crescente na 405, lembrava-me que Júpiter me protegia. Se o quinto planeta desde o Sol estava ou não, na verdade, a me proteger era irrelevante.

  Todavia, a certo ponto, o meu interesse pela astrologia parecia que ia do “divertido” até ao “talvez um pouco doentio”. Em festas só conversava sobre isso. Se não soubesse o signo de alguém, passava-me um pouco dos carretos, começava uma perseguição implacável para descobri-lo, e fazia perguntas do género, “oh, você disse que gosta da primavera, então faz anos nessa altura?” Costumava adivinhar os signos de estranhos, personagens de ficção, lugares, e até mesmo objetos inanimados. O meu quarto era Caranguejo, confortável e acolhedor como um útero. A palmeira que via da minha janela era Leão, alta e orgulhosa, iluminando o meu dia. O meu iPhone era Gémeos, chato, mas viciante.

  Comecei por pensar muito sobre como os meus posicionamentos se relacionavam. O meu Sol em Virgem diria frequentemente ao meu ascendente Leão para me calar e pôr o soutien. O meu ascendente Leão responderia, arranja uma personalidade, perdedor. A minha Lua em Aquário interromperia, oh, bebés pomposos, o eu não existe. E o Mercúrio em Balança diria, vocês são todos muito sérios, conta lá o mexerico! O meu Vénus em Escorpião iria assustar calando todos com a afirmação, TUDO É TÃO SÉRIO COMO A MORTE. Dei por mim a usar a astrologia para me desligar do presente, das emoções, da intimidade. Costumava depreciar signos inteiros (tosse: Taurinos), meio a brincar, mas nem por isso, enquanto romantizava outros (tosse: Gémeos). Embora a astrologia tenha começado como um modo divertido de me aproximar dos outros, e encorajar-me, tornou-se posteriormente uma forma de julgar, criticar e isolar-me.

  A minha amiga adora me relembrar quando, enquanto víamos uma perseguição a alta velocidade na autoestrada de Los Angeles, eu gritava “Aquário”. Tudo o que conseguia ver, enquanto este acontecimento decorria, legitimamente perigoso, era um signo do zodíaco. A astrologia lembra-me o efeito anestesiante do Pinterest, o modo como os nossos olhos vitrificam enquanto categorizamos imagens. O mundo já não é mais assustador e aleatório, mas finito e ordenado. Se tem um problema com alguém, não é porque ambos fizeram algo errado, ou porque as vossas vibrações estão misteriosamente incompatibilizadas. É porque são do signo Touro. Ninguém morre sem motivo. Os Aquarianos apenas ocasionalmente tornam-se imprudentes na autoestrada. Simples. Sem mistério. Ninguém tem culpa.

  Sempre que sinto que vem aí uma obsessão negativa, algo me impele a começar a escrever sobre isso. Quando não conseguia parar de pensar sobre todos os meios em que a lei é fútil e negligente, canalizava essas meditações para o meu livro, Um Mau Advogado. A obsessão não é uma grande qualidade na minha vida pessoal – consegue com que seja uma pessoa chata para todos os que estão à minha volta – mas é uma excelente ferramenta para criar palavras numa página. Neste caso, comecei a escrever Exaltada, um romance escrito sob a perspetiva de uma astróloga cínica da Internet. A protagonista, Emily Forrest é parcialmente inspirada na criadora de memes astrológicos que sublocava o apartamento da minha amiga durante este período, uma ganzada solitária que não acreditava em astrologia, mas que descobriu que os memes sobre astrologia eram mais fáceis de fazer. Ao explorar a relação da Emily com a astrologia tornei-me mais sintonizada na minha relação com ela. A forma como alimentou as chamas dos meus piores hábitos. Da mesma forma que a advocacia me encorajou a ser mesquinha e argumentativa, a astrologia tornou-me ainda mais judiciosa e isolada do que o habitual. Mais para o final de Exaltada, A Emily contrata um hipnotizador para fazê-la para de pensar em astrologia. Não resulta. Não creio que a minha tentativa de exorcizar a minha obsessão pela astrologia tenha resultado também. Ao mesmo tempo que escrevo frases para este ensaio, troco mensagem com a minha amiga e escritora Grace Perry sobre a nossa teoria de que todos os maiores génios nasceram na Cúspide de Peixes e Aquário (Rihanna, Sally Rooney, Kurt Cobain …). Será que a astrologia é a minha amante tóxica que simplesmente não consigo abandonar? Ou será que estou apenas a dar mais importância ao mal do que ao bem, da forma como os humanos estão conectados para o fazer?

  Não tenciono descartar a astrologia ou a importância que ela tem na vida dos outros, e na minha, em alguns momentos. Sei que ela dá a muita gente, força, uma religião milenar numa sociedade ateia. Talvez um dia consiga ter com ela uma relação mais descontraída. Mas, entretanto, mantenho o antigo lema da socialite Paris Hilton: “The stars are blind.” – “O destino não se rege pelos astros.”

 

traduzido por Ivo Eduardo Correia

 

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