domingo, 24 de julho de 2022

 

Apontamentos sobre…

A revisão

Amy Bloom

“A revisão é a sua própria recompensa”.

  Tenho dois interesses – pessoas e histórias – e três competências: observação, empatia e palavras, para servir aqueles dois interesses. Estou interessada (poderia ter usado uma palavra mais forte) nas pessoas reais que fazem parte da minha vida (a minha família e os amigos) e estou ainda interessada nas histórias, as esquisitices e as exposições, de pessoas que não conheço bem, ou pessoas que não conheço sequer – apenas porque são pessoas. Quando oiço um homem que vai sentado à minha frente no comboio a dizer à sua criança, que parecia um querubim cheio de curvas, num tom de voz baixo e frenético de um criminoso encurralado, se fizeres isso – ou outra coisa parecida – outra vez, DIREI à tua mãe, quero continuar sentada atrás deles e não sair na minha estação. Uma amiga disse o seguinte acerca do seu pai (como podiam dizer acerca do meu), muitas vezes bruto, raramente errado. Essa frase vai fazer parte de uma história mesmo que tenha de arranjar uma cena de festa de casamento para isso. Bisbilhotar é uma parte importante da minha vida de escritora, como é olhar fixamente pela janela. Uma vez levei com uma bola de ténis na cara porque estava tão entusiasmada ouvindo uma mulher no outro court a ofender verbalmente o marido que me esqueci de usar a raquete. Às vezes, tomo notas. Sempre, quem me dera parar de tomar notas.

  Há uma regra para ouvir e observar o mundo à nossa volta, e em observar e conhecer-se a si mesmo. Quero ver e depois transmitir, a folha do carvalho em seu desajeitado desabrochar verde. Tudo o que tenho que fazer é observar, talvez de alguns ângulos diferentes. Para escrevê-lo, tenho que encontrar o vocábulo certo (verdejante, esmeralda, peridoto, verdete, …, também, nada de errado com o verde) e, para os efeitos da minha prosa, tenho que perceber quem está observando. Será que sou eu, será Deus, será o carteiro cansado que olha apressadamente, ou será a mulher solitária que vive no segundo andar de um apartamento cuja soleira da janela quase toca na árvore? Quando quero conhecer um ser humano tenho que ver o seu corpo, as suas roupas, a sua atitude, a sua postura, as suas feições, a forma como ocupa o espaço e tenho que tentar vê-lo o mais completamente possível, de tantos ângulos com a minha lente limitada de (mulher branca de meia-idade), mas depois me esforçar ainda um pouco mais. Como seria ser um deles, qual seria a sensação de usar as suas roupas, aquele roupão, aquele blusão molhado, aquele gorro de tricô? Vejo uma mulher jovem, alta, branca-azulada como leite magro, vestindo um macacão branco, sorrindo com um ar sonhador e o seu telefone toca, e oiço o som de uma mensagem de texto que acaba de chegar, e vejo os seus olhos em direção ao telefone, e depois o telefone ao ouvido, e o sorriso suave desvanece-se gradualmente, e o meu pensamento imediato é, seu sacana!

  Para mim, depois do prazer de observar, e do trabalho em imaginar, depois de me tornar outra pessoa e voltar para casa para mim, depois de escolher cuidadosamente, ouvir o ritmo das palavras, a cadência e o som maquinal de outras vozes, chego à melhor parte: a revisão. A revisão para mim é um alívio. É garantia; o lixo na página pode e será substituído; o estranho será amenizado, o embaraçoso será limado, e se isso ainda assim não ficar suficientemente bom, o embaraçoso será assassinado. (A revisão não é para os fracos de coração.) Posso não ser capaz de ver o outro lado da montanha, mas sei que está lá e se continuar a me arrastar (eliminar aquela frase, guardar aquela expressão), vou chegar lá. Às vezes, o parágrafo certo surge de mim e sinto-me grata por isso. (Raios, sinto-me grata quanto é uma boa frase). O resto do tempo, começo a fazer a revisão, às vezes leva um dia, muitas vezes, um pouco mais de uma hora. Fazer uma revisão é dar o devido valor ao trabalho, e, como escritora, se tivesse que escolher entre beber um café ou a revisão, escolheria a revisão. (Não me façam escolher.)

 

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