O Natal da minha infância!
Na altura morava com os meus pais, a minha irmã e
os meus avós. O mês de dezembro era mágico! Bem cedo começava a azáfama dos
preparativos para a festa. Os meus tios, que viviam ao lado da nossa casa, decidiam
quando matar o porco. O meu tio Mário combinava com alguns amigos e vizinhos o
dia que melhor lhes convinha para realizar a "função do porco". Nesse
dia, a excitação era plena. Íamos assistir a algo que só acontecia uma vez por
ano. O porco depois de morto, a muito custo, era pendurado e o seu pelo
queimado com uma espécie de maçarico. Depois era aberto, e tudo se aproveitava.
Recebíamos em nossa casa, meio porco, que a minha avó, exímia na arte de salgar
a carne, conservava em alguidares, pois não havia ainda frigoríficos na época.
Entretanto, a minha mãe, uma excelente pasteleira, confecionava todos os doces
da época: as areias, as broas de corinto, as de mel entre outras. E, por fim,
era tempo de amassar os bolos de mel caseiros fantásticos, ainda hoje tenho na
memória o seu sabor. A massa ficava a levedar de um dia para outro, depois era
colocada em várias formas próprias e levada para uma padaria que existia abaixo
da Boa Nova. Quando o carro da padaria chegava lá a casa com os bolos de mel
prontos a serem comidos tínhamos mais um momento de êxtase.
Os
dias demoravam a passar e a nossa ansiedade crescia. Era altura de montar as
decorações de Natal, a árvore na sala. O meu pai, que era uma artista da
eletricidade, ficava encarregue das iluminações. Nós, eu e a minha irmã, éramos
os ajudantes do "Pai Natal". Os presentes, esses, eram um mistério
para nós. Os nossos pais eram autênticos agentes secretos. As searas eram
semeadas e o presépio e a lapinha eram montados com toda a pompa e
circunstância. Nada era esquecido, não era preciso uma lista, a minha mãe e a
minha avó eram peritas em planear tudo ao pormenor. O meu tio trazia o pão
cozido em forno a lenha, diga-se de passagem, uma delícia.
E,
de repente, estávamos na noite de Natal! Os preparativos na cozinha, a carne de
vinho e alhos, a canja e as sandes de galinha, para não falar das iguarias
doces e salgadas da época. Mas só podíamos usufruir delas depois da missa do
Galo. Íamos dormir, iam todos para a missa do galo exceto o meu avô que ficava
a cuidar de nós. Após regressarem da missa, que se realizava na Escola de Artes
e Ofícios, na Rochinha, eramos acordados para comermos a ceia de Natal ao som
de músicas típicas da época. Nessa noite tínhamos autorização para ficarmos até
mais tarde.
No
dia seguinte, abríamos os presentes, não eram muitos, mas os essenciais, com os
quais brincávamos o dia de Natal inteiro. Durante a manhã, chegavam a minha avó
Gabriela, a mãe da minha mãe, e a minha tia Rita, a irmã da minha mãe. O almoço
era o momento alto da festa, todos sentados à mesa, falando, rindo. No final do
repasto, os adultos, já um pouco tocados devido ao vinho e aos licores, dançavam
ao som das músicas tradicionais de Natal. Nós, os mais novos, que só tinham
direito a sumos, estávamos sóbrios.
Sem
televisão, sem telemóveis, sem redes sociais éramos felizes e não sabíamos!
Dedico
este texto a todos os meus familiares que já não estão presentes fisicamente
entre nós, mas que ficarão para sempre na nossa memória e no nosso coração.
Todos eles contribuíram para que os nossos Natais fossem mágicos e
inesquecíveis.
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