Mais de 70% dos estudantes universitários planeiam emigrar
FAP defende valorização salarial,
acesso à habitação, mais qualidade de vida e aposta na ciência
Rui Duarte Silva
Estudo revela que
um terço dos universitários pondera viver no estrangeiro mais de 10 anos.
“Sangria de talento” pode custar 95 mil milhões de euros ao país
06 fevereiro 2025 22:57
Jornalista
“Uma forte sangria de talento.” As
palavras são de Francisco Porto Fernandes, presidente da Federação Académica do
Porto (FAP), que realizou um estudo para analisar a dimensão do fenómeno da
emigração de jovens portugueses qualificados. Os dados, avançados em primeira
mão ao Expresso, revelam que 73% dos estudantes universitários inquiridos dão
por certo ou ponderam seriamente sair do país após a conclusão do curso.
“A
dimensão surpreendeu-nos. Os números são absolutamente brutais”, comenta o
investigador e professor Rui Henrique Alves, um dos dois coordenadores do
estudo. Os resultados apontam também que 25% dos universitários já tomaram a
decisão de procurar um futuro melhor fora de Portugal. Apenas 10% garantem que
vão permanecer no país.
De acordo
com o investigador, a tendência é mais notória na classe média e em estudantes
de mestrado, sendo “transversal a todos os cursos” e “sem grandes flutuações
nem por idade nem por género”, embora “os homens valorizem mais a questão
salarial e as mulheres se preocupem mais com as condições de vida” quando
decidem emigrar.
Reino
Unido, Alemanha, Suíça, Países Baixos e Luxemburgo são os países que acolhem
mais jovens portugueses com formação superior. Fora da Europa, acrescenta o
coordenador do estudo, “Estados Unidos e Canadá são os principais destinos”.
O estudo,
realizado pelo Centro de Estudos da FAP e que inquiriu 375 estudantes, com uma
margem de erro de 5%, indica que 33% dos estudantes pretendem emigrar durante
um período inferior a cinco anos, 36% equacionam uma saída entre cinco e dez
anos e quase 30% esperam estar fora de Portugal durante mais de uma década.
Portugal pode perder €2 mil milhões por ano
A
Federação Académica do Porto salienta que as consequências da emigração jovem
qualificada são “devastadoras” para a economia portuguesa. De acordo com o
estudo, este fenómeno poderá resultar em perdas líquidas de mais €95 mil
milhões ao longo de 45 anos, o que se traduz em €2,1 mil milhões por ano. “O
país perde nos impostos diretos sobre os rendimentos, nos impostos indiretos no
consumo e nas contribuições para a Segurança Social”, refere o investigador Rui
Henrique Alves. Além disso, Portugal está a desperdiçar capital humano. “O
grande impacto que não é calculável é a perda na inovação e que podia
transformar o país”, evidencia o presidente da FAP.
“Nunca
formámos tantos estudantes no ensino superior e nunca tivemos tão bons quadros.
Mas a verdade é que estamos a formar para exportar para os outros países”,
adverte Francisco Porto Fernandes. “Portugal gastou mais de €411 mil milhões
nesta geração e os nossos melhores estão a sair do país. Isso cria um círculo
vicioso”, adianta o dirigente da FAP, para quem o problema não está naqueles
que saem por vontade própria. “O problema é quem gostaria de ficar e é obrigado
a construir lá fora o seu projeto de vida.” E ilustra essa realidade com um
exemplo comum: “Um estudante que conclua hoje o curso vai provavelmente receber
menos de €1000 líquidos por mês. E um T1 no Porto supera esse valor.”
“Portugal gastou mais de €411 mil milhões nesta geração e os nossos
melhores estão a sair do país”, diz o presidente da Federação Académica do
Porto
Mais do
que um problema dos jovens, este é um flagelo para o país. “O facto de mais de
metade dos estudantes querer emigrar vai gerar um país mais pobre, menos
inovador, mais envelhecido e com grandes dificuldades ao nível das contas
públicas”, antevê o presidente da FAP. “O efeito irá notar-se a nível
demográfico com o envelhecimento da população que acentuará o impacto nos
domínios da inovação e do empreendedorismo e poderá levantar problemas
adicionais à sustentabilidade da Segurança Social”, conclui Francisco Porto
Fernandes.
Semana de quatro dias
Os dados
deste estudo foram partilhados com o Governo e com os partidos. Face a este
cenário, a Federação Académica quer ser ouvida pelo primeiro-ministro, pela
ministra da Juventude e pelo Presidente da República. Francisco Porto Fernandes
apela ao chefe do Executivo, Luís Montenegro, e ao líder da oposição, Pedro
Nuno Santos, “para que possam sentar-se e estabelecer pontes”, sublinhando que
o problema não se resolverá com “medidas avulsas”. É necessária “uma mudança
estrutural para reter os jovens”, frisa o presidente da FAP.
“Não é
com o IRS Jovem, com o Programa Regressar ou com a devolução das propinas que
vamos conseguir mudar alguma coisa. Precisamos de uma mudança de fundo”, advoga
o estudante de Economia, de 22 anos, que defende quatro pilares fundamentais
para estancar a perda de jovens talentos. “As nossas propostas apontam em
quatro direções: valorização dos salários, acesso à habitação, melhoria da
qualidade de vida e aposta na ciência”, sustenta.
A par de melhores salários, os jovens ambicionam ter um melhor
“equilíbrio entre a vida profissional e pessoal”. Nesse sentido, o dirigente
defende que “é preciso caminhar para o modelo da semana de trabalho de quatro
dias e para modelos híbridos de trabalho”.
Sem comentários:
Enviar um comentário