domingo, 13 de abril de 2025

A série que abalou o mundo!

 

Adolescência: ficção ou realidade?

No fundo, a série que tanto chocou retrata apenas a triste realidade atual. Retrata a crescente desumanização, objetificação e violência contra as mulheres por parte de rapazes cada vez mais jovens

A série da Netflix Adolescência chegou e abalou o mundo. Nela, Jamie, um jovem de 13 anos, é acusado de assassinar uma colega da escola à facada. Ao longo dos quatro episódios é explorado o que levaria um adolescente desta idade a cometer um crime tão violento.

Porém, será isto ficção? Ora, vejamos as notícias mais recentes em Portugal:

- Em Loures, um grupo de três supostos influencers entre os 17 e o 19 anos foram detidos por, alegadamente, violarem em grupo uma rapariga de 16, tendo filmado e partilhado o momento nas redes sociais, um vídeo que terá chegado a mais de 32 mil visualizações. A investigação teve origem numa participação do Hospital Beatriz Ângelo e, portanto, com base em provas físicas recolhidas. Os três rapazes encontram-se em liberdade;

- Raparigas estudantes da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto foram fotografadas e filmadas por debaixo das saias, sem o seu consentimento, conteúdos que foram posteriormente partilhados por membros da associação de estudantes num grupo de WhatsApp com cerca de oito membros, incluindo o actual presidente da associação de estudantes, além de outros membros e ex-membros da direcção;

- Nunca houve tantos jovens presos pelo crime de abuso sexual de menores nos últimos 10 anos e todos são rapazes.

No fundo, a série que tanto chocou toda a gente retrata apenas a triste realidade atual. Retrata a crescente desumanização, objetificação e violência contra as mulheres por parte de rapazes cada vez mais jovens.

A série vem levantar a questão que temos de nos colocar enquanto sociedade: porque é que isto está a acontecer? Quem são os responsáveis?

A tendência tem sido atribuir muito rapidamente a culpa aos pais. “O problema é a educação que tiveram em casa! O problema é deixarem os miúdos na Internet sem controlo parental!”. Sendo estes dois fatores claramente parte do problema, não o explicam na totalidade.

Reparem: se a violência contra as mulheres aumenta a cada dia, em frequência e intensidade, e se são sempre homens — e cada vez mais jovens — os agressores, isto não é só um problema daqueles pais, daquela casa, não é um caso pontual e isolado. A violência contra as mulheres é um fenómeno estrutural, com raízes sociais e culturais profundas. Uma sociedade onde os homens continuam a ter mais poder no espaço público (e a impunidade sobre estes casos é sintomática disso mesmo), assim como sobre as vidas e os corpos das mulheres. 

Ao assistirmos à adolescência, a da ficção e a da realidade, não podemos fugir da nossa responsabilidade sobre o tipo de meninos e de homens que estamos a criar.

E é uma estrutura para a qual, mesmo sem nos darmos conta, todas e todos contribuímos. Quando ensinamos aos meninos que “homem não chora”, que é “forte”, que é “rijo”, e que só se pode expressar através da “raiva, força e dominação”. Quando instruímos as raparigas para terem cuidado com o que vestem, em vez de ensinarmos aos rapazes que não têm o direito de tocar e invadir o corpo de uma mulher sem o seu consentimento.

Ou quando passamos aos rapazes mensagens de menosprezo pelas raparigas, tais como “elas são chatas”, “são problemáticas”, só gostam de “coisas de menina”, “são incapazes” (sim, porque comentários como “tu corres como uma menina”, não costumam ser elogios). Mais, chegamos a insinuar que rapazes que têm amigas raparigas são gays! E nas entrelinhas de tudo isto estamos a plantar uma visão de inferioridade sobre elas, a desincentivar relações de amizade paritárias entre ambos — relações que seriam tão importantes para crescerem a ver as mulheres como pessoas, como iguais, e não apenas como mãe, irmã ou alguém com quem vão querer ter sexo ou casar; relações tendencialmente desiguais e onde serão servidos.

Contribuímos também quando lhes ensinamos que “quantas mais melhor”, pois ter muitas experiências sexuais é que provará a sua masculinidade. Ou quando, nas nossas conversas de amigos ou família, ao sabermos de uma violação, perguntamos o que ela levava vestido, alimentando a narrativa de impunidade dos agressores e culpabilização das vítimas.

E os homens contribuem muito quando, ao ver os amigos a partilhar fotografias não consentidas, ou mandar piropos na rua, ou a serem insistentes num engate se calam, normalizam, riem-se. Porque na verdade este “código de irmandade masculina” também faz parte da sua prova de masculinidade e, quebrá-lo, tem consequências, implica perda de admiração e pertencimento juntos dos seus pares. Mas é crucial que o façam.

A juntar a todo este cenário em que os rapazes crescem — e numa fase em que a sua maturidade emocional e sentido crítico ainda não estão formados —, vão depois para a Internet e encontram aqui a validação destas ideias misóginas. Grupos e fóruns com homens muito zangados perante a perda de privilégios que o empoderamento feminino lhes está a trazer e que instrumentalizam as inseguranças destes rapazes, reforçando o ódio pelas mulheres. Um dos temas mais recorrentes é a culpabilização das mesmas por lhes impedirem o acesso a sexo, vetando-lhes assim, aquilo que consideram ser um direito seu.

Para completar esta espécie de free pass para a violência, estes mesmos rapazes ligam a televisão ou as redes sociais e veem que três deles violaram uma rapariga em grupo, filmaram, publicaram e estão em liberdade.

Ao assistirmos à adolescência, a da ficção e a da realidade, não podemos fugir da nossa responsabilidade sobre o tipo de meninos e de homens que estamos a criar. E sobre quais as soluções a implementar num problema que é, verdadeiramente, multifatorial.

A mudança exige uma reestruturação política, da educação, da justiça e, inclusive, do conceito de homem. Novas leis que contemplem este tipo de crime, aplicação efetiva das mesmas, educação para a igualdade de género nas escolas, restrições ao acesso a smartphones e à Internet para os mais novos e apoio aos pais nesta demanda!

“É fácil falar, mas e fazer?” poderão estar a pensar. Fácil, não será. Mas é, de certeza, urgente e necessário. E podemos começar já, tendo em conta tudo isto, quando colocarmos a cruzinha no dia 18 de maio.

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