Aos bebés que nascem hoje
- Público - Edição Lisboa
- Miguel Esteves Cardoso
É difícil nascer. Sim, como se não bastasse a dificuldade de ser concebido. E a concorrência terrível entre espermatozóides, cada um a achar-se mais malandro do que o outro? Gosto de pensar nos bebés que hoje nascem em Portugal, que nada sabem sobre demografia e que não conhecem ninguém.
São portuguesinhas e portuguesinhos, porque o Estado aproveita para abarbatar quem nasce intrafronteiras. Aqui ao lado são espanholinhos. E aqui por baixo marroquininhos. Aposto que têm calor. Como se há-de dizer às pequenas criaturas que o Verão passa e que as coisas melhoram?
Até aos dois anos de idade, os bebezinhos não podem negar o progresso: não há mês que não seja melhor — mais sensual, mais gastronómico, mais inteligente — do que o anterior. Aos bebés perdoa-se sempre quando dizem “Desculpa, eu era tão estúpido!”.
Nascer é solitário. Por muita gente que esteja à nossa volta, uma coisa é certa: ninguém se lembra de nascer.
Penso nos bebés que vão nascer hoje porque foi hoje que nasceu a Maria João.
Nunca hei-de saber onde é que eu estava quando ela nasceu — e muito menos quando ficaram destinados os nossos caminhos.
Mas sei que entre os bebezinhos que nascem hoje, estará a Maria João de alguém, e o Miguel para ela. Somos todos separados à nascença, para ter mais graça o jogo de nos encontrarmos.
Odeio o ditado “cada panela tem o seu testo”, porque as panelas funcionam muito bem sem testos, enquanto que os testos só dão péssimas frigideiras.
Somos mais incompletos do que isso. E também é difícil encontrar a nossa metade. E é difícil conservá-la.
O amor é difícil. Tudo o que é bom é difícil. Há uma estranha relação entre a alegria e a dificuldade. Nunca somos de ninguém. Ninguém é nosso. É preciso lutar por tudo.
Estamos sempre em bicos de pés, tentando negociar, tentando vencer as dificuldades, tentando descansar.
Parabéns, bebezinhos que nascem hoje. E parabéns, Maria João, minha alma gémea, mais amada e mais difícil que eu sei lá o quê.
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