O livro por encontrar
- Público - Edição Lisboa
- Miguel Esteves Cardoso
Como é que escolhemos os amigos? Pegamos numa pessoa qualquer e fica ela a nossa amiga, por não termos mais nenhuma e porque entretanto pode aparecer outra melhor? Mas é assim que a maioria das pessoas escolhe os livros, para depois espantar-se e lamuriar-se de que não passou da página 37.
Os livros têm de ser escolhidos como escolhemos os amigos. Precisam de gostar, mais ou menos, das mesmas coisas — ou de coisas muito diferentes. Precisam de crescer connosco. Precisam de falar connosco. Precisam de nos ouvir. Precisam de corresponder ao que esperamos deles.
Se eu, que tantos livros leio, entro em luto quando esgoto um autor e levo dias a saltar de livro em livro à procura de um que me cative, como fará quem não é viciado na leitura? Como fará quem não gosta de não gostar de ler?
Um livro é uma coisa íntima. Há livros para toda a gente, e para todos os gostos, mas estão escondidos. É preciso procurá-los. São como os amigos. Não são como os filmes, que são feitos para as multidões.
Há livros que são só para duas ou três pessoas — mas, para essas duas ou três pessoas, muito bons. E feitos de propósito. Como aqueles amigos inexplicáveis de quem mais ninguém gosta.
Procurar um livro para ler é importante porque as más escolhas inibem as leituras futuras. Há milhões de leitores perdidos que se deixaram convencer de que os livros são todos um bocadinho chatos (o que é só um bocadinho verdade) e que ler é uma chatice.
Vale a pena procurar muito porque só através de um livro compatível — envolvente, guloso, impressionante, difícil de largar — é que se compreende que a leitura é o melhor investimento de tempo e atenção que se pode fazer, ao ponto de se poder considerar um roubo, pelo pouco que nos custa e pelo muito que nos traz.
Deve-se perguntar a toda a gente que se conhece: “Que livro é que achas que me vai interessar?”
O importante é o leitor, não o livro.
O livro já está feito — já está morto —, mas o leitor ainda está por fazer.
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