terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

O mundo da educação - Edição do Público 04-02-25

Ter 77% dos alunos a concluir o secundário em três anos não é mau

Investigadora, desdramatiza a descida e recorda que, apesar da quebra, antes da pandemia a proporção era menor

RUI GAUDÊNCIO

O universo de alunos que conseguiu concluir o ensino secundário sem retenções no ano lectivo 2022/2023 diminuiu três pontos percentuais face ao ano anterior: foram 77% do total (em 2021/2022 tinham sido 80%), de acordo com o relatório da Direcção-Geral de Estatística da Educação e Ciência (DGEEC) de Janeiro. Ao PÚBLICO, a investigadora em educação Isabel Flores, também directora executiva do Instituto para as Políticas Públicas e Sociais do Iscte — Instituto Universitário de Lisboa, faz, ainda assim, uma leitura positiva dos dados: em comparação com os anos anteriores à pandemia, a percentagem de alunos a terminar o secundário no tempo esperado até aumentou.

No ano lectivo de 2022/2023 houve menos alunos a concluir o ensino secundário sem retenções: a percentagem diminuiu três pontos percentuais face ao ano anterior. Mas podemos falar numa inversão da tendência de subida? Fui olhar para o relatório do ano anterior, também da DGEEC, e pensar um bocadinho neste ponto: estes alunos que terminaram em 2022/2023 começaram o ensino secundário em 2020/2021, ou seja, fizeram o 10.º e 11.º anos em plena pandemia e com todos os distúrbios a que ela obrigou. Este é um ponto que temos de ter em consideração, que terão sido os alunos mais afectados pela pandemia.

Quando comparamos com o último ano de que há registos sem que os alunos tenham sido afectados pela pandemia, em 2018/2019, estávamos com percentagens de 64% a 65% [de alunos a terminar o secundário sem retenções]. E agora, ainda assim, são 77% no caso dos cursos científico-humanísticos. Apesar da descida, conseguimos ter resultados de transição muito elevados. Não me parece que estes três pontos percentuais de quebra possam ser muito significativos, pese embora tenhamos de nos manter atentos e

As escolas têm de munir-se de sistemas de apoio mais eficientes para os alunos mais pobres

ver se continuamos a ter boas taxas de alunos a completar o secundário no tempo suposto.

Não há, por isso, razões para alertas?

Temos que nos manter sempre alerta. O sistema de educação, como outros, nunca está completo nem terminado. Mas diria que não é um número perfeitamente alarmante. Acho que, ainda assim, comparando com anos antes da pandemia, fizemos um grande progresso.

É também de destacar que o ano em análise foi aquele em que tivemos mais gente no sistema de ensino do secundário, nos cursos científico-humanísticos. Tivemos 64.765 alunos no ensino científico-humanístico, o que representa um crescimento de 7,5% face ao ano anterior. Nunca tivemos tantos alunos registados no secundário e isso é óptimo, é o sistema a crescer. Apesar disso, continuamos a ter 10% de alunos que a DGEEC declara que não estão inscritos, que não os encontram. Trata-se de abandono escolar, possivelmente. É um número que chegou aos 10% e aí tem estado nos últimos anos. Já no ensino profissional, só subimos 1% em número de alunos inscritos face ao ano anterior. Temos também mais 2% de alunos com Acção Social Escolar (ASE) do que tínhamos no período anterior, o que também são boas notícias.

Quanto aos alunos com ASE, o relatório também suscita uma reflexão, porque, mais uma vez, a percentagem de alunos que termina o secundário sem retenções é menor no aluno com o escalão A.

Sim, é a preocupação de sempre. Temos aqui duas hipóteses, a de olhar para o copo meio cheio e pensar que estes alunos já chegam ao ensino secundário e não chegavam antes. E chegam nomeadamente ao ensino secundário científico-humanístico: 20 % dos alunos do sistema têm ASE nesta via. Não tenho as séries muito longas, mas arriscar-me-ia dizer que há dez anos não tínhamos, nem de perto nem de longe, esta percentagem [de alunos com ASE a terminar o secundário em três anos]. Portanto, temos mais alunos ASE a chegarem mais à frente no sistema de ensino e isso é o copo meio cheio. O copo meio vazio é que estes são sempre alunos mais frágeis. E, por isso, o sistema de ensino tem sempre dificuldades em compensar as fragilidades destes alunos. E, quando depois são todos postos na mesma balança, são alunos mais frágeis e com a maior probabilidade de não conseguirem à primeira tentativa ou de haver uma percentagem maior de jovens com esta característica.

Recorde-se que para ter ASE as pessoas têm de ser muito pobres. São pessoas que vivem no limiar da pobreza e, portanto, têm muitas dificuldades e partem de uma grande desvantagem face aos outros. Esta é uma preocupação que temos de ter permanentemente, que é como é que a escola ajuda mais estes jovens que vêm de meios mais desfavorecidos.

O que é que ainda se pode fazer? As escolas têm de munir-se de sistemas de apoio mais eficientes para estes jovens que estão sinalizados por pobreza. Desde logo, têm de olhar para eles com um cuidado distinto dos outros colegas e ter programas de apoio distintos, que possam mitigar [carências na aprendizagem] e ajudar neste ponto de partida tão mais desvantajoso, para os pôr, cada vez mais, em pé de igualdade. Não há nenhum país que consiga fazer isso, mas todos temos de trabalhar para isso. Não acho que o relatório traga más notícias: temos de pensar que este relatório é ainda particularmente afectado pela pandemia. 

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