Os primeiros jornais
- Público - Edição Lisboa
- Miguel Esteves Cardoso
Quando acabaram os jornais vespertinos — uma tragédia, pois eram os jornais do próprio dia, actualizando os jornais da manhã, que eram os jornais do dia anterior —, quando acabaram os jornais vespertinos, porque esta frase é portentosa e merece ser dita duas vezes, houve uns anos estranhíssimos em que os jornais que apareciam às 5h da manhã tinham de durar o dia inteiro.
Para quem não via televisão ou rádio, os jornais eram tudo. Mas tinham uma grande vantagem: só se liam uma vez por dia e, como tal, ficavam arrumados como parte da manhã, ocupando pouco mais do que uma hora.
Lembrei-me disto quando um rapaz fez pouco da curiosidade da minha geração, perguntando como é que era possível querermos saber o que aconteceu só uma vez por dia.
Agora, durante um dia, somos capazes de olhar 20 vezes para os jornais online, podendo acompanhá-los em vez de ter de aturar os noticiários das televisões.
Do ponto de vista do meu jovem crítico, as pessoas dantes liam menos os jornais do que hoje. Os jornais eram uma fase da manhã: faziam parte do pequeno-almoço. O resto do dia era para viver.
Agora, os boletins diários das televisões, sendo de hora em hora ou de meia em meia hora, são lentos de mais. É preciso esperar por eles. E ocorrem, irritantemente, a horas certas. Quando enveredam pelo estafado “breaking news”, estão condenados a repetir as mesmas imagens insatisfatórias.
Já os jornais online têm mesmo de ser escritos e, como tal, têm princípio, meio e fim. Mas podem ser constantemente revistos e aperfeiçoados.
Os jornais agora acompanham o dia inteiro. Estão vivos.
Os jornais antes eram publicações. Estavam acabados. Ficavam prontos para ler e, enquanto se liam, começava-se a escrever o jornal do dia seguinte.
Os jornais diários eram parecidos com revistas. Só a periodicidade era diferente: saíam todos os dias em vez de todos os meses.
Se calhar, os diários online de agora é que são, por assim dizer, os primeiros jornais.
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