Tratemo-nos como elefantes
- Público - Edição Lisboa
- Miguel Esteves Cardoso
Dizem que amar faz bem e odiar faz mal, mas amar também faz mal. Todas as emoções extremas fazem mal. Separá-las artificialmente não engana ninguém. Veja-se o amor. Esquecemo-nos de dormir, de comer, dos amigos, da família, e dos nossos próprios interesses enquanto seres independentes e humanos. Odiar faz muito mal. Adoece e mata. Envenena e entristece. É um triunfo não odiar. Custa, mas vale a pena. O coração é pequeno e não cabe lá nada: para quê enchê-lo do que não presta?
O que faz bem não é amar. Mas também não é a indiferença. A indiferença é o contrário da vida. O que faz bem é uma indiferença que se enternece. É um encanto passageiro, uma compreensão dos outros, um não ligar e deixar viver: um não querer impingir a ninguém o que pensamos.
O objectivo é tentar pensar nos outros seres humanos como pensamos nos elefantes. Temos pelos elefantes um misto de respeito, ternura e de tolerância. Deixamo-los ser como são, mesmo quando são maus, por sabermos que dali por pouco serão espantosamente bons.
Já fomos maus com os elefantes — e muitos de nós ainda somos. Mas estamos a melhorar, a sentirmo-nos cada vez mais abençoados por vivermos no mesmo mundo que eles.
Amamos os elefantes? Não, quase nunca pensamos neles. Só quando os vemos é que nos lembramos do muito que gostamos deles. Mas gostar também dá para o torto. As pessoas de quem gostamos desiludem-nos.
É muito melhor a indiferença fascinada, a curiosidade que consente, a aceitação fácil, o sentirmos que andamos todos ao mesmo, e que estamos todos no mesmo barco. Ninguém tem o direito de se achar melhor do que os outros — ou, então, toda a gente tem.
Se um elefante aparecer no cimo da rua, deambulando em direcção a nós — digamos, uma manifestação de extremistas, gritando em favor de uma coisa que abominamos — arranjamos sempre maneira de deixar que o elefante passe.
Fazemos bem. Temos um bocadinho de medo, mas também um bocadinho de respeito e de compreensão.
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